Sábado à noite após um dia inteiro de vacinação contra a paralisia infantil, peguei o carro e parti para Flores da Cunha. Desde sexta-feira minha bicicleta já estava acondicionada enrolada num cobertor sem as duas rodas no banco traseiro do automóvel. Passei na casa do Alberto, colocamos a bicicleta dele no trans-bike e iniciamos a viagem.
Eu já tinha feito um pedal semelhante ao que faríamos no domingo, só que mais curto. Lá para os lados de Otávio Rocha, entre parreirais e cachorros, um dia pedalei até Nova Roma e me disseram que tinha um descidão até uma balsa que cruzava um rio, fiquei curioso e decidi voltar ali outro dia para conhecer aquilo tudo no pedal.
Portanto aqui vamos nós, agora cruzando a grande Caxias do Sul e conversando sobre a finalidade da vida e o fluxo de energia no universo, desde o big-bang até a energia psíquica, passando pela teoria do inconsciente de Freud. Antes de chegar em Flores da Cunha, através do argumento da insignificância, como num jogo de Go o Alberto me deu uma espécie de xeque filosófico que ainda hoje tento me desvencilhar.
Enfim chegamos em Flores da Cunha e procuramos um lugar para comer naquela noite friorenta. Havia um restaurante no centro onde comemos uma espécie de bife grande com queijo e acompanhamentos. Ali encerramos os assuntos filosóficos por aquela semana, a carne faz pesar o estômago e dá um torpor mental. Saímos dali em silêncio, digerindo o big-bang e o bife, fomos parar em Otávio Rocha na pousada da Dona Adélia.
Nem vimos a Dona Adélia, acho que era meio tarde. Quem nos atendeu foi um senhor que falava com um sotaque típico da região da serra gaúcha. Um rapaz se prontificou de guardar nossas bicicletas numa loja de artesanato em frente à pousada.
Depois de um banho o Alberto ligou o aquecedor, eu já estava roncando nesse meio tempo.
Acordei de madrugada com um calor dos diabos e sufocado. Tateando no escuro e sem achar o interruptor da luz saí porta afora ofegante. Abri a janela e veio um ar gelado de fora. Janelas e portas vedadas, o aquecedor tinha esgotado o oxigênio. Tudo bem, nem sabia que horas eram, voltei a dormir oxigenado.
No farto café manhã nem falamos mais na finalidade da vida. Já estávamos em clima de pedal e pedalar era o nosso vislumbre. Essa é uma das razões porque pedalo: eu paro de pensar.
Enquanto tomávamos o café em silêncio um outro senhor com um sotaque da região um tanto mais acentuado falava ao telefone. Uma voz aguda semelhante à de mulher que me lembrou muito o Raditi. Descobri depois que tem um tal de Willmutt que faz sátiras do sotaque de gringo e que em um website. Vale a pena conferir.
Saímos pedalando de Otávio Rocha às 8:30 duma manha gelada. Eu ia de bermuda larga sentindo um frio nas pernas e o Alberto ia de calcinha de ciclista. Ainda vou comprar uma calcinha dessas para o próximo inverno, calças largas de abrigo enroscam na coroa, já rasguei umas três quando se soltaram das meias. Como sou gaúcho criado na fronteira ainda tenho um certo constrangimento para vestir aquelas calcinhas justas. Levei dois anos de pedal para começar a vestir bermudas de lycra com esponja etc... Depois gostei tanto que antes dos pedais, vestindo aquelas bermudas, não me constrangia em levar o cachorrinho pinscher 01 da minha filha para passear na área comum do prédio. O perigo é que a gente perde a vergonha e acaba gostando...
A subida depois do rio me fez interromper o pensamento alheio. Nem me interessei em quantos MW a represa Castro Alves geraria. O Alberto se sentiu à vontade para falar de engenharia elétrica, pois é formado e graduado nesse assunto. Eu só queria sair daquele buraco e chegar logo em Nova Pádua para o almoço. Mesmo assim a endorfina me fez imaginar um mundo novo naquela região selvagem. Uma Nova Roma, cujo prefeito seria o Raditi, um novo papa gringo importado da Europa a enriquecer a região com um turismo religioso pregando os preceitos da nova era. Enfim uma nova Itália cujos políticos fariam discursos e debates com o sotaque do Willmutt.
Em breve chegamos a Nova Roma, parei num posto de gasolina para limpar a caramanhola suja de cocô não sei de que bicho que havia saltado da roda. Um cheiro forte e desagradável. Bem lavada com água e sabão mesmo assim o cheiro ficou incrustado. O que fez com que sumisse o fedor foi um cheiro bom de churrasco que vinha duma chaminé. Paramos no pé da chaminé, num restaurante lotado. Era dia dos pais e havia um almoço especial por ali com carnes as mais variadas e um buffet de acabar com o regime de qualquer um. Procurando um lugar para estacionar as bicicletas eu cravei um espinho de cacto nas costas, e um bicho não identificado mordeu a mão do Alberto.
Depois do almoço e vinho tinto de colônia saímos pedalando dali de forma pachorrenta. O Alberto pedalava tão devagar que chegou a cair numa valeta pela inércia. Mesmo assim ele seguia na minha frente.
Enfim Antônio Prado. Um sorvete na entrada da cidade, aquela sorveteria parecia ser um dos points das baladas da noite. Mesmo de dia desfilavam por ali carros rebaixados e motocicletas barulhentas com seus playboys. Coisa que me lembrou a terra natal há 30 anos
Depois de uma visita ao famoso centro histórico de Antônio Prado, seguimos o pedal. Para sair da cidade é um subidão, e a subida continua na RS 122. Uma enorme montanha russa com bom acostamento até o desfiladeiro nas proximidades do rio das Antas. Dali até e ponte atingi 60 km/h numa estrada em espiral semi-deserta. Passou rápido, tudo o que é bom se termina. Quando me dei por conta estava na ponte e morto de fome. Comi umas bolachas salgadas, e voltei a pensar. Pelo tanto que descemos outro tanto deveríamos subir. Assim nesse raciocínio óbvio me preparei para o aclive ininterrupto de seis quilômetros que ia até as proximidades de Flores da Cunha. Levei uma hora para sair daquele buraco. Sem nem um planinho pra descansar, nem nada na beira do caminho, só me restava pedalar.
Comecei a sentir a dureza do banco novo em teste. De mola, mas duro. Prometi pra mim mesmo que pedalaria até o fim sem descer da bike, pedalar até achar algum lugar pra tomar uma coca cola. Assim fui por toda aquele percurso sem descanso, para a desgraça das partes traseiras, quando enfim desci da bicicleta para tomar a coca-cola eu estava semelhante à velha surda da praça é nossa, com dificuldades para andar e sentar.
Uma coca-cola congelada me reanimou. Subi na bike e sentei no selim com dificuldade passei pelo pedágio sem parar, o Alberto me esperava por ali. Pedalamos mais um trecho até a entrada para Otávio Rocha, começava a escurecer.
Pedalei os últimos quilômetros no escuro. O Alberto começou a sentir o joelho e ficou para trás. Cheguei na pousada e imediatamente comecei a desmontar a bike na penumbra. Tirei as duas rodas e enrolei num cobertor, coloquei no banco traseiro do carro. Depois de amarrar a do Alberto no trans bike voltamos a Porto Alegre onde jantamos um café num restaurante de beira de estrada, sem nem sequer falar sobre a finalidade da vida. Pedal é para essas coisas.
Total Pedalado: 105 km
Total Pedalado: 105 km
Otavio Rocha district to Otavio Rocha district
Saturday evening after a full day of vaccination against infantile paralysis, I caught the car and left to Flores da Cunha city. Since Friday my bike was already wrapped in a blanket rolled without the two wheels in the rear seat of the car. I passed in the house of Alberto, put the bicycle in cross-bike and we started the journey.
I already had done a pedal similar to what we would do on Sunday, but shorter. There to the sides of Otávio Rocha district, between gardens and dogs, one day I cicled till New Padua city and they told me that there were had a ladder that leaded till a ferry that crossed a river, I was curious and decided to go back there another day to know everything on the pedal.
So here we go, now crossing the vast Caxias do Sul city and talking about the purpose of life and the flow of energy in the universe since the big bang till psy energy, going by the Freud’s theory of the unconscious. Before arriving in Flores da Cunha, through the argument of insignificance, as a game of the Go Alberto gave me a kind of philosophical Sheikh that I still try to be free.
Finally we arrive in Flores da Cunha and seek a place to eat in that cold night. There was a restaurant in the centre where a kind of eat steak and cheese with great accompaniments. There we ended the philosophical issues in that week, the meat is weigh the stomach and makes a mental torpor. We left the restaurant in silence, digesting the big-bang and steak, we were stranded on Otávio Rocha city in Dona Adélia hostel. Neither saw Ms Adélia, I think it was a half later.
Who was there was a gentleman who spoke with an accent typical of the region's mountain gaúcha. A boy was right to save our bicycles into shop for handicrafts in front of the inn. After a bath the Alberto turned the heater, I was already snoring in the meantime. Woke at dawn with a hell of heat and sufocated. In the darkness without finding the back door of the light I went out the room wheezing. After I open the window and has a cold air from outside. Windows and doors closed, the heater had exhausted the oxygen. Okay, neither knew what time was, I returned to sleep oxygenated.
With plentiful morning coffee or talk more purpose in life. Already we were in climate and foot pedal was our glimpse. That is one reason why pcycle: I stop thinking. While we were taking the morning coffee in silence we listened another strange accent of the region with a somewhat more pronounced spoke on the phone. A voice similar to that of acute woman who reminded me a lot to Raditi. I discovered then that has such a Willmutt of making sátiras about the gringo accent, and that on a website. It is funny to listen it.
We left Otávio Rocha at 8:30 in a cold morning. I would was wearing a large shorts and feeling cold in the legs and Alberto was wearing tight pants of cyclists. Although I will buy one of these tight pants for next winter, wide trousers under glue of the gear, already teared some three when they were free from the socks. As I am gaucho created at the border and very male, I still have a certain constraint to wear those briefs fair. It took two years of pedal to start dress that tight shorts with of sponge etc. ... After liked so much that before the pedals, wearing tight shorts, I do not felt bad of getting the dog pinscher 01 of my daughter to walk in the common area of the building. The danger is that people ends losing their shame and just enjoying it ...
We cycled between gardens and dried up grape trees and down in ashes were wearing out in New Rome. We took such a ladder where we stop at just the ferry that crossed the river from this. It was the Antas river and the ferry, even in the know the name. It is a ferry moved by the the arms, and by the arm of a woman. Movers and stopping of the ferry ride, I returned to thinking thoughts of others. "Give me a lever and a fulcrum and stir the world." (Archimedes)
The rise after the river made me stop the alien thought. I was not interested in how many MW would generate the Castro Alves damn. The Alberto felt free to talk about electrical engineering, because it is formed and graduated in that subject. I just wanted to get out of that hole and come soon in New Rome for lunch. Still, the Endorphin made me imagine a new world in that region wild. A New Rome, whose mayor would be the Raditi, a new pope gringo imported from Europe to enrich the region with a tourism religious preaching the precepts of the new era. Finally a new Italy whose political speeches and debates would do with the accent of Willmutt.
Soon we arrived at New Roma, stopped at a petrol to clean the dirty caramanhola of shit not know that beast that had bounced the wheel. A strong and unpleasant smell. Well washed with soap and water even smell was so encrusted. What has caused to disappear the smell was a smell of good barbecue that had a chimney. We stopped at the bottom of the chimney, in a restaurant full. It was days of parents and had a special lunch there with meat by the most varied and a buffet of ending the regime of anyone. Looking for a place to park the bike I was hurted by a a thorn of cactus in the back, and an unidentified beast bit the hand of Alberto.
After lunch and red wine, we went out there cycling very slowly. Alberto was cycling so slowly that fell down into a hole by inertia. Even so he went in front of me.
Finally at Antonio Prado city. An ice cream at the entrance of the city, in a drink bar seemed to be one of the points of the ballads of the night. Even by day there were cars and motorcycles demoted noisy with its playboys. Thing that made me reminded my homeland 30 years ago. After a visit to the famous historic center of Antonio Prado, we followed the pedal.
To goout drom the city is a ladder, and the rise continues in RS 122 road. A huge and long road until the gorge near the river of Antas. From there to the bridge I reached 40 miles/h on a road in spiral semi-deserted. It passed quickly, all that is good if ends. When I gave in to the bridge and was dead from hunger. I ate some salted biscuits, and I returned to thinking. On the other down so much that both should rise. So this reasoning course I prepared for the continuously climb for five miles that would lead to near Flores da Cunha. It took one hour to get out of that hole. Without a rest, and nothing in the side of the road.
I started to feel the hardness of the new seat in testing. Promised to me that I was going to cycle till the end of the climb without going out from the the bike, pedaling to find some place to take a coke. So I went through that journey without rest, to the misery of back when the bike finally down to take the coke I was similar to the old square is our deaf, had trouble walking and sitting. A coca-cola frozen brought me up. I returned to the bike and sat in the saddle with difficulty spent by the toll without stopping, Alberto was waiting for me there.
We cycled one more sentence to the entrance to Otávio Rocha, began to darken. I cycled the last kilometers in the dark. The Alberto began to feel the knee and stayed behind. I arrived at the inn and immediately began to disassemble the bike in the shadows. I took the two wheels and rool it in a blanket, put in the back seat of the car. After the tie of Alberto in the cross bike we left to Porto Alegre city. In the way we had a dinner on a roadside restaurant, without even talking about the purpose of life. Pedal is for these things.
Total cycled: 105 km