terça-feira, maio 10, 2005

Dois dias... Duas rodas


Estou postando um relato bastante divertido feito por um amigo e conterrâneo, que atualmente mora em Blumenau (SC)
Em fevereiro deste ano estive em Blumenau, fiquei na casa dele uns dias. Num sábado ensolarado, depois um churrasco, uma caixa de cerveja e alguns relatos ciclísticos, ele decidiu comprar uma bicicleta... e comprou mesmo.
Em 4 de maio ele fez sua primeira aventura ciclística, que resultou num relato.

Dois dias; Duas Rodas,

Tres horas, quarta-feira, 4 de maio, acordo, tomo banho, me equipo, bermuda, capacete, mochila, tudo em cima, rezo um Pai Nosso, Uma Ave Maria, uma saudação a Nossa Senhora Aparecida para que me proteja e cuide meu lar.
Pego a bike, a rua, a esquina o quarteirão; Porquê estou indo passear, se estou dentro de um cartão postal!

Pego a rua Beira-rio, frio cerração e um visual indiscritível de lindo. Opa! vou fazer um lanche, primeiro vou no posto Patinho Feio, um Gatorede...não, choco-leite...não, cerveja...não, Hum!!!, vejamos, uma Smirnoff Ice Limãobem gelada para aquecer, mas como estava de bike, cara de ciclísta, esportista não pega bem beber, saí para um lado e parecia um oito válvulas, fez redemoinho na garrafa, tres goles e foi...
Volto a curtir a rua, ficou melhor, passo noutro posto conveniência, uma Skol; Pronto turbinado;
Há e o pulso ainda pulsa,mas não dói mais, devido ele estar aberto, estava usando munhequeira, dificíl para trocar marchas; Fui aos Correios, peguei um caminhão que vai para Bal. Camboriú, joguei a bike dentro e fui...
Seis horas estava na cabeceira da praia de Bal. Camboriú, fiquei olhando o deslumbre do dia, pessoas de idosas faziam caminhada, fiquei observando a praia, os arranha-céus, "paliteiros", o Cristo Luz no morro e quase me surpreende o astro-rei Sol, laranja, grandão a me saudar; Bem diz o ditado "Cerração baixa, sol que rácha"; Oba!..., vai ser um lindo dia.
Fui comprar filme para a máquina fotográfica, 6:15 h:s, encontrei uma padaria aberta, o primeiro contato; Tem filme.
- Só um momento, deixa eu largar minha cuia, o índio era de SãoBorja, outro de Santa Maria, o de Santa falou sou de Santa Maria do Monte, e tu!
- Sou de Santiago, estou morando em Blumenau.
- Santiago do Boqueirão, disse, famosa.
Olhando para dentro da padaria, parecia que estava no Sul, pelo assunto.
Quando virei para fora, a praia, o mar é Bal. Camboriú.
Falamos sobre a bike, o xirú me desdenhou, essa tua é só para passeio, não tem nada de especial, o selim que chamou atenção, perguntou o preço, um Royal-Gel, o mais disse para colocar pinhão reduzido para ficar mais veloz, correia cromada, freio não sei..o quê.
Volto prà cabeceira da praia, lindo, lindo demais, já degluti mais uma Skol na padaria, faço todo o trajeto beira-mar de cabo a rabo só curtindo, vou um pouco no calçadão;
Continuo curtindo, chego no final da praia, não resisto e entro mar adentro através de um mole, tinha ums pescador, comversamos um pouco, eram de Blumenau; Olho para cima, um teleférico de Bal. Camboriú, as pessoas já estavam passeando, o teleférico vai de Bal. Camb. até a praia de Laranjeiras, sobe um morro bem alto, muito legal.
Vou a um quiosque, enquanto tomo uma cerveja, peço informações:
- Você pega a balsa, atravessa o rio e pega a interpraias, (estrada). É mais longe, mas vale a pena, são várias praias, pela BR. não se vê muita coisa e é perigoso; Ok! foi o que fiz;
Atravessei de balsa,legal, não tinha andado numa ainda, pego a Inter-praias, que deslumbre!!!, a visão de Bal. Camb., que estava deixando, uma subida e cada vez mais linda ficava a visão, o ar da mata Atlântica, meu!, que legal, nas narinas, na pele, o cheiro, a visão, lindo, subo mais, um calor intenso começa, suor, respiração ofegante, bôca sêca, me censuro, viu seu Camêlo, àgua existe e faz bem, desço da bike, que sede, que cansaço nas pernas, o morro é grande, em cima mais uma bela visão de Bal. Camb., o Cristo-Luz com seus braços abertos, parecia medizer volte sempre.
Desço o morro, praia de Laranjeiras, linda, surpreso que oteleférico vem até ali; Chego vou direto a um pier de madeira, (estaleiro). Ao lado grandes pedras, pescadores de marisco, já nos seus barcos. Um restaurante abriu... àgua... àgua... àgua mineral com gás, primeira vez que tomo àgua desde que sai de casa; O dono convidou para mim retornar em junho, vai haver um torneio internacional de moto-bike, Estados Unidos, Canadá e outros países da Europa estarão presente, só feras, sigo adiante. Um baita morro, mal começo e fico com sede, a àgua não deu prá nada. Chego próxima praia, mais uma visão cinematográfica, é Taquaras, tomo mais àgua, sigo, outro morro, outra praia. Praia do Pinho, praia de naturísmo, hesitei, mas com medo de me arrepender da oportunidade, entrei; Uma experiência numca sentida ficar nu, na frente dos outros. Sempre, vejo os cartazes, sem camisa não entre, aqui era o contrário; "Por favor respeite o local, seja ético e inteligente, praia de naturísmo, proibido ficar com roupa". Tirei tudo de uma vez só, que estranho, em vez de brochar por vergonha, me excito, que situação, que hora para o bicho se acordar, deve ser o vento do mar, o lugar a situação...; Mesmo assim fico na cara dura, vou falar com um desconhecido, disse: que era minha primeira vez, e que se não conversasse com alguém para trocar idéias, não teria sido válido minha presença, ele achou certo e começou a conversar, falei da minha situação e ele disse, isso é normal, pode ficar à vontade. É proibido tirar fotos, mas mesmo assim insísti e tirei duas fotos de mim, pelado, pelado de mão no bolso. Uma experiência e tanto, só não entrei no mar, as ondas estavam muito altas e forte, meia hora e estou dando tchau.
Próximo morro, 11:30 H:s, sede novamente. mais visão do mar, navios enormes, distantes, pareciam prédios flutuantes, praia do Estaleiro, beleza passo batido, quero almoçar em Itapema, saio da interpraias, vou prá BR.101, um perigo, comboios de caminhão e onibus um movimento intenso,na interpraias só passou dois carros uma bike e uma moto, o asfalto é novo, esta cheirando a tinta, a BR. tambem e boa, uma garrafa de liso, devido a duplicação recente. Chego em Itapema ao meio dia em ponto, almoço: Salada verde, macarrão, bife, uma cerveja.
Descansei uma hora, curtindo, pensando, recordando, essa praia é a que mais conheço e gosto, queria ficar a tarde toda, tomar banho, ír na curvado mar, lá tem um quiosque, tem uma cachaça branquinha, uma amarelinha de Luis Alves... desisto e sigo a frente, praia do Perequê,um bando de garças me chamam a atenção, registro no filme. Praia de Porto Belo, olá!, cheio de barcos, lanchas, íate, não vejo ninguém, não tiro foto, sigo outro morro, olho do alto, Porto Belo, que visão,até me emociono de estar ali, no topo do morro um quiosque, um fogão a lenha, desses de tijolos para assar pinhão, uma moenda e um moinho dàgua para enfeitar o lugar; Tomo mais àgua, tem côco gelado, caldo de cana... muito obrigado, àgua mineral, desço o morro avisto a praia de Bombas, espetáculo, aquele marzão azul, verde sei lá espumante.
Paro prá curtir, um senhor de idade vem conversar comigo, que legal comversar com um desconhecido, com respeito, com alegria, com apreço, dois humanos se encontrando, se saudando como se fossemos velhos amigos.
Sigo a pé com a bike ao lado, até o ínicio da praia, saio da estrada, vou pela areia da praia, tento andar de bike mas a areia fofa atola, não dá, o dia está lindo, são 16:00 H:S,
Vou em direção de ums pescadores, estava cansado, cumprimentei-os e perguntei, sabem onde tem um quarto para alugar, para passar a noite, não quero pousada ou hotel, um quarto.
- Olha! aquele rapaz que vai lá, o tio tem uma pousada.
Chamamos o rapaz, se apresentamos, ínicio de uma amizade.
- A pousada do tio é a um Km daqui, cobro R$ 20,00, os outros aqui perto é muito mais. Acompanho o rapaz, seu nome é Sandro, um Km e nada, mais um Km e nada, estava indo para umas ruelas de areia fofa, que só apé para andar, as casas estavam ficando escasas, eu disse, olha vou desistir,quero ficar perto da praia, ele insistiu... tá com medo.
- Não. (pior que estava sim)
- Pensei, se estou a fim de sair da rotina, tudo bem, vamos ver o quevai acontecer, confiei, lembrei que tinha rezado, e que nada de ruim poderia me acontecer.
- Ele disse, mais um Km, se tu quizer ir a praia de Mariscal ou Zimbros, por aqui é mais perto, Quatro Ilhas é para lá. Cansado lembrei da frase do livro "Óbvio", do professor Gretz.
- Se te convidares para caminhar uma milha, caminhe duas. - Avistei, me acalmei, fiquei na pousada, tijolos à vista, sala, banheiro, quarto, simples, o essêncial; Até ali já tinha criado confiança e amizade pelo Sandro.
Se você quizer, troca de roupa evoltamos para praia; Tem um Super Mercado no meio da quadra se precisar alguma coisa vailá.
Troquei de roupa, fui ao Super Mercado, fiz compras básicas e duas latinhas de Kaiser, uma dei para o Sandro, fomos prà praia, começamos a caminhar, entrou numa trilha no mato, bem legal, mais adiante, no meio do mato uma placa; Praia do Ribeiro. Opa!... não sabia que tinha essa praia, não tem casas do lado, a àgua uma delícia, tirei camiseta, calção e fiquei de sungão, nadei, me batizei, já era quase18:00 H:s;
Ele convidou para seguir adiante, fomos pelas pedras, um penhasco, meus pés estavam reclamando pois não estavam acostumados a caminhar descalço, aós meia hora de costão, uma praia, Bombinhas, só casarão, tudo cheiro a poder, àgua limpinha, nadei mais um pouco... eu estava em estado de graça pelo dia; Voltamos pois começava a escurecer,e as pedras se tornão perigosas a onda começa a ficar mais forte na noite.
- Você comeu sirí.
- Não, só comi casquinha de sirí, gosto muito com cerveja.
- E lula já comeu.
- Não, só polvo, gostaria de comer lagosta.
O Sandro me convidou para um caldo de peixe.
- Legal, estou louco para tomar um caldo de peixe.
- Vou fazer um , hoje a tarde pesquei ums peixes, peixe para ser bom tem que ser frescos, vamos passar ali num bar, tem uma garota linda.
- Vamos, quero uma bebida forte, um uísque, um conhaque para não gripar e cortar um pouco a cerveja que pode me dar queda de pressão.


O cara tinha razão, ela era bonita mesmo, cabelos pretos longos, muito simpática, perguntei se queria trocar de cabelos comigo, ela riu...dará elas por elas, tomei uma cerveja, um uísque.
No caminho encontrei o tio do Sandro, simpático pra caramba, parece que nós já nos conhecíamos. O Sandro disse: vou fazer um caldo de peixe, vou comprar uns pãezinhos e pimentões. O tio disse:
- Senti que o rapaz é gente fina, vamos assar os peixes, compre carvão;
O rapaz do estabelecimento veio em minha direção.
- Esse cara é campeão, veio de Blumenau de bike,
disse o Sandro. O cara me cumprimentou a lá surfista com aqueles toques de mão, falou véio. Tomamos mais cerveja e uma caixa de latinhas nós acompanhou até apousada. Falamos várias coisas, uma delas politíca.
-Companheiro, funcionário publíco tem que levantar o trasseiro e procurarmelhores investimentos, por exemplo, investir no gado.
- No gado!, sim companheiro, para garantir o bife.
- Em 2002 de Lula, em 2006 também deu Lula.- Colocamos Geraldo Alckimann na Presidência, isso se Pallocci não secandidatar com Ciro Gomes como vice.
Fico olhando a churrasqueira, o fogo já está pronto. Vem o tio do Sandro, com tres sacos de papel, aqueles de pão, cheio de peixes e colocou na churrasqueira, fiquei incrédulo.
-O quê! vai assar os peixes dentro dos sacos, não acredito, vai pegar fogo.
Ele garantiu que não, que é uma receita Mineira e que fica muito bom pois o peixe assa no vapor. Tem que ser churrasqueira com tampa.
- Meu nunca tinha comido um peixe tão gostoso, me enfastiei, chegou a parar os olhos. Gaúcho como sou, não deixei de brincar, agora quero ir pra zona, fechar a porta e dançar pelado, a festa é por minha conta.
O Tio topou, pegou o carro, uma Parati e começamos rodar de lugar em lugar, de bar em bar. 3:30 H:s da manhã de quinta-feira e eu aqui acordado, feliz realizado com o passeio, como é que estou agüentando, mais de 24 H:s me divertindo. Fui dormir. Acordei 7:40, hs, o acerto da pousada era até ao meio dia, saciado de praia, minha conciência parece que estava bem acordada; Ir paraMariscal, Zimbros e Quatro Ilhas, seria ir para mais distante, vou deixar para outra.
Feliz me despedi, eles não queriam que eu viesse embora, prometi voltar, na rua sorri, pois a bike derrapava na areia fofa, que tinha sido patrolada na noite anterior, parece que estava escramuçando.
Vim direto pela estrada, BR, Porto Belo, que imagem, Perequê quero almoçar, é meio dia, desisto, quero almoçar em Itapema, chego num trevo e sem querer me afasto da praia, ué, cadê os prédios, cadê a praia, só estrada e mata Atlântica, puta merda me perdi, apagado,dorminhoco, boca aberta, que sede, que fome, avisto um cruzamento,uma placa Tijucas a 9 Km. Começo a rir, que boca aberta, pego direção Itapema, o vento estava forte, não rendia, a bike estava pesada, já estava arrependido de ter trocado o Selle-royal por Royal-gel, minhas nadegas doiam demais, com a mochila nas costas e o vento não comseguia pedalar de pé, e nada de Itapema. Bom, azeite, estou passeando, não vou esquentar. Quando avistei Itapema, já tinha cruzado toda a praia. Cheguei numa lanchonete, a primeira que vi, comi um Xis mignom, uma cerveja, valeu, descansei uma hora.
Segui pela BR. 101, nada de praia queria estar em Bal. Camb. até as 17:H;s.
Antes de deixar Itapema comecei a cantar, àgua, àgua mineral tomou ficou legal, sai da BR. e entrei na praia, tive que procurar onde comprar, é estranho não era fácil conseguir àgua mineral com gás, Gatorede, nem se fala.
Pego a BR., um presente, achei que ia pegar vários morros até Bal.Camb., mas com a duplicação da BR, tem um imenso túnel, o barulho é infernal, o oxigênio escasso, o túnel de bike é interminável, ainda bem que é iluminado; uma menina passou num carro e gritou da janela, quase me arrebentou os ouvidos, e quase caí, pois o barulho me desequilibra.
Saio do túnel, não deixo de homenagear a grandiosidade da engenharia e o senso tecnológico, o homem e Deus;
Na entrada de Bal.Camb. o primeiro imprevisto desagradável, estou na BR., e uma camionete Blazer, do capeta verde vidros escuros, aparece do nada ecorta a minha frente e sai da BR., cheguei a encostar os braços na lataria, acredito que devido a velocidade, não chegou a ser fatal.
16 H:s começo a curtir Bal. Camb., ando por várias ruas, vou até ocalçadão, como um pastel, um suco de abacaxi, descanso, fico vendo que a praia começa a receber os surfistas, vários fico curtindo um bom tempo.- Começo a andar pela calçada da Beira-mar devagar, olhando o mar, os navios ao longe, os surfistas. Êta vida dura!. Acredito que me deu sono comecei a perder o controle da bike, meus reflexos começaram a diminuir, fui atravessar a rua, na faixa e um escort não respeitou, só deu tempo de eu jogar a bike na calçada.
Minha conciência acordou:
- Você precisa descansar
Fui até os Correios e aguardei o caminhão. De retorno a Blumenau, eu estava querendo vir de bike, mas a voz interior não deixou, você vai se arrepender.
Deixei a Bike nos Correiose fui andar a pé para passar o sono, tomei um café preto com pão e margarina, muito bom, me despertou. O Caminhão chegou, vim embora, em Itajaí, no porto vários navios gigantesco, vários containers, um movimento muito interessante. Cheguei em casa as 20 hs, todo duro, com dor no pulso, no traseiro e na sola dos pés, incrédulo por ter cumprido minha façanha.
Obrigado aos amigos que me acordam, obrigado a Deus.

quinta-feira, abril 28, 2005

Audax 300 - Porto Alegre



Fiz o Audax 300 km em 16 horas. Largamos à meia-noite de sexta-feira. Até o primeiro PC mantive uma média de 25 km/h.
Integrei enormes pelotões até perto do PC 2. A partir daí encontrei um companheiro speedeiro cujo ritmo era semelhante ao meu.
Entramos nevoeiro adentro, chegando ao PC 3 ao amanhecer, bastante cansados e encharcados. Pedalamos juntos na volta até o final.
Na chegada tomamos uma gelada, e depois da entrega das medalhas fomos numa galeteria com nossas famílias.
Ficamos amigos e parceiros de pedal.
Ele vai continuar a fazer os próximos Audaxes, eu provavelmente vou parar por aqui e me dedicar a percorrer outros pagos.

terça-feira, março 22, 2005

Audax 200 - Santa Cruz do Sul

Sábado, depois de assistir pela manhã o filme "As Bicicletas de Belleville", saí às 14 hs de Porto Alegre rumo a Santa Cruz do Sul. Ia comigo o Rodrigo.

Enquanto dirigia, escutava o cd "Tour de France" do grupo Kraftwerk. Logo o Rodrigo comentou que a trilha sonora daquele cd aparentemente não tinha nada a ver com ciclismo, dada à monotonia das melodias technopop. Comentei que aquilo realmente não tinha nada a ver com trilhas radicais, mas muito a ver com retões/longas distâncias em asfalto.
Nas proximidades de Eldorado encontramos um ciclista.
-Deve ser alguém indo para o Audax...
O Rodrigo gritou:
-É o Daniel!
Paramos.
O Daniel perguntou se tinha carona.
Colocamos a bike dele no transbike, trocamos o cd do Kraftwerk pelo do Peter Murphy e seguimos viagem.

Em Santa Cruz conseguimos vaga num hotel barato. Vaga para quatro, visto que o Anderson da Rodociclo estava para chegar mais tarde, e ficaria conosco. O único problema é que no quarto tinha duas camas de solteiro e uma de casal. Sorte que eu havia trazido um colchão...

Depois de reservarmos as acomodações, comprei uns bolos, mariolas, barras de cereais, água mineral no supermercado Nacional.
Por voltadas 17 hs chegamos à UNISC. Feita a entrega da documentação, vistoria das bikes, reunião do pessoal, fomos jantar no restaurante Centenário, em frente ao Hotel. Estava por ali o Cristiano, mais tarde apareceu o Marcelo e a Ester. Saí dali por volta das 22:30 hs pois esperava dormir cedo.

Domingo acordei às 4:15 horas da manhã com barulhos de vozes do lado de fora, e com muita sede: o churrasco estava um pouco salgado. Os outros três já estavam acordados: o Anderson havia chegado (coisa que nem vi), nem sei se ele chegou a usar o colchão que eu havia trazido...
Chegamos à UNISC onde comemos um dos bolos que eu havia comprado, as padarias estavam todas fechadas e não tinha como tomar café da manhã.
Preparei um chimarrão, tomei uns mates e fui no banheiro enquanto um senhor meio idoso que viera de São Leopoldo para participar do Audax ficou cuidando da cuia.
Quando saí do banheiro a cuia e a térmica estava no chão e eu já ouvia o Luiz Faccin fazendo a contagem regressiva para a largada:
-8, 7, 6, 5....!

Corri por um gramado uns 200 m até o carro para largar os apetrechos de chimarrão, na volta o pessoal já tinha largado ao som da buzina da bike do Daniel.
Peguei a bike e saí junto com os ultimos. Quando tinha pedalado mais ou menos 1 km o Anderson passou por mim:
-Vamos lá!
Respondi:
-Pode ir! Vou seguir a uns 22 por hora! Pretendo chegar do jeito quesaí.
E olhei para o ciclocomputador.
-Ué? Cadê o ciclocomputador?
Tinha esquecido no carro!Voltei, peguei o aparelho e larguei a uns 30 km por hora.

O Audax tinha começado.
Achei que andando a alta velocidade iria alcançar muita gente... que nada. O pessoal tinha desaparecido. No início do trecho da RS 287 só tinha eu e uns gatos pingados retardatários. Ali passei pelo Daniel e mais dois agachados que consertavam uma bike (depois descobri que erao Rodrigo e o Marcelo emendando uma correia).
Voltei ao ritmo da minha estratégia. Como não tenho oportunidade de treinar numa frequência ótima ou pelo menos boa (geralmente quem mora e trabalha 8 hs por dia em Poa tem essa dificuldade), a estratégia era a de fazer uma média de uns 22km/h na ida e uns 18 km/h na volta, parando uns 15/20 min em cada PC.
Um pouco antes do PC 1 o Daniel e o Rodrigo me alcançaram. Parei num posto de gasolina para calibrar os pneus e eles seguiram. Estava com 30 libras em cada pneu, usava uns semi-slick 1.95. Notei que a bike estava um pouco pesada...

Depois do PC 1 começei a sentir dor no joelho. Alcancei a Esther e fomos juntos por um bom tempo, pegando um vento contra, diagonal.
Quando faltava uns 25 km para o PC 2 passamos por um pelotão que já vinha voltando em ritmo de "raccing". Logo adiante vi o Udo também já voltando na barra circular (ele fez o Audax numa barra circular velha, carregando uma caixa com ferramentas).
Cheguei no PC 2 às 11 hs com uma média pedalada de 23 km/h. Meu joelho doia muito. Achei que não iria poder voltar pedalando. Mas o Rodrigo que estava por ali, tinha uma pomada para cavalo (Calminex) para me emprestar. Passei a pomada, a dor desapareceu.

No PC 2 também encontrei o pessoal que veio de Poa pedalando, O Vicente, a Alison, oValter, ... Quase todos os "Audaxiosos" já tinham passado peleo PC 2 naquele horário. Saí dali às 11:20 hs. Sempre com o sonoridade da música "Eletrocardiogram" do Kraftwerk retumbando na cabeça (aquela música se aderiu no meu cérebro), segui viagem.

Notei que o banco tinha baixado um pouco e que a cada pedalada para baixo eu levava uma pancada nos joelhos. Concluí que poderia ser essa a origem da dor no joelho: banco baixo. Levantei o banco, e fui pedalando até o PC 3 sem dor.

No PC 3 parei um bom tempo, encontrei o Rodrigo que propôs irmos juntos até o final. Eu considerava que já tinha parado bastante, ele queria ficar lá mais tempo, eu estava ansioso para continuar e já estava com o corpo prestes a esfriar.
Decidi ir logo:
-Vou a uns 15 km/h e tu me alcanças ali adiante...

Antes de Vale Verde ele tinha me alcançado. Seguimos juntos a uma média de uns 23/24 km/h até ele dizer que já estava meio cansado eque iria dar umas paradas esporádicas.
E parou num posto de gasolina antes do famoso Cerro da Boa Esperança.

Segui solito subindo o cerroa uns 7 km/h. A partir dali fui até a RS 287 a uns 30 km/h, a dor no joelho tinha passado e minhas condições físicas mais o terreno permitiam ir nessa velocidade. Nesse trecho ultrapassei uns sete.
Depois de subir a tal de subida das sete curvas deu para descançar um pouco. Já no final, indo em direção à UNISC lembrei da largada atrapalhada. Estava chegando! Cheguei! Eram 16:46 hs.

Tomei um chimarrão. Recebemos as medalha e o certificado, e nos bandeamos de volta para Poa depois duma janta num retaurante à beirada estrada, tudo ao som de Kraftwerk - Tour de France...

Como diz o Rodrigo: "Show de bola!"

segunda-feira, março 14, 2005

Passeio em São Francisco de Paula-RS

Semana passada estava tudo combinado, iríamos ao passeio ciclístico de Rolante no domingo!
Partimos para São Chico no sábado por volta das 8 hs em dois carros: eu, a Adriana, o Rodrigo, o Vicente e a Alison.
O plano era fazermos uns passeios curtos, e tipo trilha, nos arredores de São Chico ainda no sábado até o escurecer. Pernoitaríamos na casa dos avós do Rodrigo, e partiríamos domingo cedo para a Rolante-RS, onde estaria acontecendo o segundo passeio ciclístico de Rolante.
A viagem até São Chico deu-se sem problemas. Paramos eu e minha esposa no centro de informaçoes turísticas na entrada da cidade para esperamos os outros três. Aproveitamos para pedir informações sobre locais pedaláveis, mais por curiosidade, visto que o Rodrigo já tinha bolado todo um roteiro para o pedal no sábado.
Um rapaz nos deu a dica do dia:
-Visitem o Parque das 8 Cachoeiras. Vocês podem ir pedalando até lá. Fica a 3 km do centro.

Ele nos forneceu um mapa detalhado do local. A idéia primordial do Rodrigo era pedalar até uma barragem que ficava um pouco distante da cidade, mas como já eram quase dez horas da manhã, com a sugestão do rapaz do centro de informações, ele decidiu nos levar para fazer uma tal de "trilha da balança", percurso mais curto, e depois conhecer o parque.

Apesar dele ter nascido e se criado em S. Chico ele nunca tinha ido nesse tal de parque das oito cachoeiras. A trilha da balança foi batizada com esse nome pelo Rodrigo e o Cleber, grande companheiro de pedal, e amigo do Rodrigo.
É uma espécie de corredor onde passa o gado com destino ao parque de exposições de São Chico.
Chamam balança porque nesse percurso o gado é pesado.

Saimos o Rodrigo, a Alison, o Vicente e eu (minha esposa não pedala mais de 2 quadras) rumo à tal de trilha da balança.
Segundo a definição do Rodrigo, era uma trilha de dificuldade média (para ele), com certos trechos chamados técnicos. Só sei que tinham trechos tortuosos com bastante inclinação e muitas pedras grandes, algumas soltas.
A Alison teve dor nos dedos de tanto frear. Cruzamos riachos (apesar da seca), pulamos cercas. O Rodrigo furou um pneu numa pedra. Ninguém caiu.

Passado o teste da trilha da balança, o Rodrigo nos levou para uma espécie de down-hill, próximo à casa da mãe dele.
Um local bucólico, onde haviam casarões com lindos jardins e grandes árvores. Não sei o que o Rodrigo faz em Porto Alegre, tem muito lugar para pedalar em São Chico.

Descemos um longo descidão com muita pedra solta. Era uma ruela entre alamedas de hortências, trecho também dito técnico, onde tinha até um pontilhão que permitia um salto acrobático no final.

Cheguei com uma inflorescência de hortência inteira grudada no rapid-fire.
Ninguém caiu.
Lá em baixo o Rodrigo disse que a a vantagem era que para subir a ruela não tinha pedras.
Lembrei de mim mesmo quando digo que "é tudo plano". Digo isso, porque faço a média aritmética: 1 subida + 1 descida =1 plano.
Só não sei qual foi a média do Rodrigo com relação às pedras.
Depois de passamos por uma cachoeira seca e aterrada (que pena) fomos para casa.
Já eram três horas da tarde, tínhamos rodado apenas 15 km que me pareceram 50, não pelo cansaço, mas pelo tempo.
Almoçamos no Ding´s bar, no centro. O almoço foi meio janta, tanto pelo horário quanto pela quantidade ingerida.
O prato "a la carte" para 1 pessoa alimentava um batalhão. Para fazer a digestão fomos de carro fazer o reconhecimento do lago São Bernardo. A idéia era deixarmos a Mariana (namorada do Rodrigo) e a Adriana pedalando ao redor do lago enquanto os trilheiros destemidos desceriam até o parque das 8 cachoeiras.
Por fim a Adriana e a Mariana foram dormir, e os bons de perna, guiados pelo bombeiro Cleber desceram um verdadeiro perau rumo ao parque das 8 cachoeiras.

A descida era pedreira! Muito inclinada, muita pedra. Logo no início ouvi um berro do Rodrigo...
-Iahuuuuuuu!!!
Ele desapareceu na frente junto com o Cleber.

Fomos eu, o Vicente e a Alison atrás, segurando no freio. A Alison comentando sobre a dor nos dedos de tanto frear. No caminho tinha um mirante que foi ignorado/não visto pelo Rodrigo tamanha a velocidade que o medonho despencava.
Paramos eu, o Vicente e a Alison ali, vimos um câmping bem lá embaixo, minúsculas barracas, minúsculas árvores...
-Será que vamos descer até la?? Como vamos subir???
-Sei lá!

Despencamos novamente. Na entrada do parque, onde tinha o camping, estavam o Rodrigo e o Cleber nos esperando.
O Parque das 8 cachoeiras ficava a 2,5 km do Lago São Bernardo. A estrada pedreira chamava-se estrada da Roça, que levaria a Rolante. Segundo o Cleber, ela não leva a Rolante coisa nenhuma: acaba numa trilha traiçoeira, cheia de peraus mortíferos.

O parque tem 130 ha e conta com a maior concentração de cachoeiras do sul do Brasil. Vinte trilhas levam às 8 cachoeiras. Ali pratica-se eco-turismo radical, tipo rapel, etc.

Andamos de bike por dentro do parque entre as árvores, caminho cheio de raízes, pedras, cipós. Quando íamos por uma trilha que levava a uma localidade chamada "perau das escondidas" caí um tombo! e bati logo o joelho problemático.

Mas como bati o joelho na grama, não foi nada grave. A causa do tombo foi um cipó enroscado no guidon.
Na queda até achei uma pinça perdida de um pessoal da universidade que estava acampado ali. Eles andavam em fila indiana, com uma espécie de rede amarrada a um pau, pareciam estar caçando insetos. Depois descobri que naquela região existia uma espécie rara de árvore albina.

Visitamos apenas uma das cachoeiras, a cachoeira do remanso.
Era enorme. Tinha mais um menos uns 30 m de altura.
Vi imagens e fotos da famosa Gruta Azul, e aquela cachoeira me pareceu que deveria ser chamada Gruta Verde. Por tudo havia vários tons esverdeados, misturados com o preto das pedras, fiquei hipnotizado.
Sentei numa pedra e não queria mais ir embora.

Já estava escurecendo, o pessoal me chamou.

-Vamos subir!

Decidi voltar ali num futuro próximo.

Subir. Subir mesmo! Lá de baixo dava para ver o mirante onde tínhamos parado na descida.
-Teremos de subir até lá??? E é só a metade do caminho!!!

O Rodrigo e o Cleber foram até a entrada do parque no pedal, coisa de se admirar para quem fez uma cirurgia no joelho há poucos meses.
Eram uns 500 m, mas com inclinação de quase 35 graus, na grama, com grandes pedras ocultas. A Alison, o Vicente e eu fomos empurrando a bike por outro trecho, mais íngreme, mas mais curto. Na entrada tinha uma lancheria onde tomamos uma coca-cola antes de iniciarmos a empreitada da subida até São Chico.
Um Sr. ficou assombrado ao saber que iríamos subir pedalando até o lago São Bernardo.
-São loucos!! Que subida!

Mas o pessoal era bom de perna e antes do escurecer já estávamos no lago.

Eram umas oito da noite quando decidimos dar umas voltas em Canela para pegar a Chocofest. Fomos em seis num carro que cabem cinco. Eram só uns 33 km.
Chegamos às dez e a estava tudo fechado, não tinha chocolate.
Fomos até Gramado. Procuramos um lugar para tomar o café. No centro, uma torrada com manteiga custava sete reais.
Voltamos com fome até pararmos na padaria Pandoro, na estrada que liga Gramado à Canela. Ali serviam sanduiches gigantes a preços razoáveis. As mesas eram cobertas por um vidro grosso, sob os quais os clientes deixavam recados em guardanapos de papel.
Havia até um recado recente, com o desenho de uma bike. Era dum ciclista que chegou ali pedalando vindo de Torres. Ele estava participando da volta de Porto Alegre, no bilhete elogiou os sanduiches da padaria.
A Alison e eu deixamos nossos recados nas mesas 2 e 12, respectivamente. Dali voltamos a S. Chico e caimos no sono. Dormi como uma pedra.
Acordei às sete, coloquei as bermudas de ciclista, camiseta, tudo pronto para ir no passeio ciclístico de Rolante. Saí do quarto topei com o Rodrigo que conversava cabisbaixo, sentado aos pés da cama da Alison e doVicente Aí descobri que estava caindo um toró.
Decisão final depois de um chimarrão: vamos direto para Porto Alegre!

segunda-feira, fevereiro 21, 2005

De Porto Alegre a Ijuí - agradecimentos

O pedal Poa/Missões/Garopaba por fim se tornou Poa/Ijuí.
Agradeço a todos os que participaram desse pedal fantástico e a todos aqueles que não puderam participar por um motivo ou outro.
Agradeço àqueles anônimos, ciclistas ou não, que nos incentivaram e nos apoiaram nestes oito dias de pedal.
Faço também um agradecimento especial ao Luiz Faccin, que além de nos indicar um ótimo hotel, nos auxiliou com um carro de apoio nas imediações de Santa Cruz do Sul.
Peço desculpas a todos se fui grosseiro ou impaciente em alguma ocasião.
A adrenalina/endorfina às vezes pode nos levar a crer que não fazemos parte de um grupo.
No nosso caso, o que o que mais importava era a camaradagem e a paisagem, não os dados do ciclocomputador, ou a desvairada tentativade se cumprir uma programação/roteiro de viagem.
Alguém, muito lúcido, já tinha feito um comentário a respeito, nas imediações de Jaguari:
-Pessoal, isso aqui não é treino para o Audax nem Big-brother!

Cada vez que alguém ia abandonando o passeio eu sentia uma espéciede nostalgia profunda. Quando restou somente o Renato e eu, e estávamos nos preparando para pedalar até Passo Fundo, eu disse a ele com certa tristeza:
-Renato, agora somos só nós dois...
E ele respondeu:
-Nós dois e Deus. Bela resposta.
E Deus quis que retornássemos à Porto Alegre naquele dia...

"Fiat voluntas Tua"

sábado, fevereiro 19, 2005

De Porto Alegre a Ijuí - relato

O relato da viagem de bicicleta de Porto Alegre a Ijuí está no blog bicibrasil - pedalando pelo brasil com "s" - do grande companheiro de pedal Luis.



Do Bicibrasil:


sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Viagem às Missões parte final

São Miguel das Missões/Ijuí (86kms)

Alguma coisa está errada. O meu total de quilometragem é de 700kms mais ou menos. Os computadores marcaram 800kms segundo o Renato. Bem, não vou chorar os 100kms. Ainda pedalamos pra cacete.

Adolf Domicó visitou as Missões em 1934. Eu sei disso porque ele caprichou na grafite dele. Espero que tenha gostado das ruínas tanto como eu.

O site das missões é: www.missoes.iphan.gov.br, para aqueles que querem ver fotos e obter mais informações.

Eu sempre me perguntei porque os portugueses e os espanhóis se uniram para destruir o projeto dos Jesuítas. Português e Espanhol não cooperavam em coisa nenhuma. Depois de visitar São Miguel e ver as ruínas e os mapas, acho que eu sei porque. Os Jesuítas viraram uma potência militar que ameaçava controlar o transporte fluvial do sul do hemisfério, uma situação intolerável para os reis ibéricos. Essa é a teoria dum amador. Não tem que levá-la a sério.

Um pequeno museu tem uma coleção de santos esculpidos em madeira. É um trabalho artístico impressionante. A peça de que mais gostei foi uma pequena imagem de São Nicolau com o rosto dum índio guarani. Emocionou-me. Foi uma comunicação direta com um artista morto há séculos.

Mais 12kms de asfalto grudento. Mais caminhões perigosos. Mais acostamento ruim. O único prazer que tive na viagem a Ijuí foi um breve descanso na Vinícola Fin.

Três gerações de tradição italiana garantem um vinho maravilhoso. Posso recomendar o Niagra, com um bouquet de fruta delicado, mas encorpado, o Moscatel, mais robusto, que deixa uma sugestão de pêra no paladar, e o Bordeaux, elementar sem ser agressivo. O suco de uva puro também é uma delícia.

Achei o José e o Renato na praça central de Ijuí, de onde uma emissora de televisão estava transmitindo o programa da Lotto. Eu não ganhei premio nenhum.

Nos alojamos na casa duma senhora que aluga quartos para estudantes. Depois de comer uma pizza ruim demais e cara demais, me despedi de meus parceiros. Eles iam continuar a viagem às seis horas e eu tinha que pegar um ônibus a Porto Alegre pela manhã. Caí no sonho lembrando-me dos meus dias de estudante.

Epílogo.

Quando acordei, José e Renato já tinham ido embora. Senti saudades deles. Paguei pelo meu quarto e pedalei a rodoviária.

Comprei o último espaço disponível no semi-direto das 12:50. O funcionário foi muito gentil. Ele deu-me duas caixas de papelão e corda para embalar a Vovô-Matic. Desmontei a bicicleta e a embalei. Quando estava amarrando o último nó, quem aparece se não o Renato e o José. José tinha estourado um joelho e teve que desistir da viagem. Eles pegaram o pinga-pinga das 10horas.

Eu viajei na poltrona #50, ao lado do banheiro, sentindo esse cheirinho bom até Porto Alegre. Devi ter pegado o pinga-pinga com os amigos.

Montar a bicicleta no meio da rodoviária em Porto Alegre foi o maior saco. Saí pedalando pela Mauá e achei que as ruas de Porto Alegre são até mais perigosas que a 285. Tive o prazer de ver o Renato quando passei pelo Gasômetro.

-O José pegou um táxi na rodoviária e foi pra casa.
-Coitado. Quanto pedalamos?
-800 quilômetros.

Não importa se foram um pouco mais ou um pouco menos. A distancia não é medida em quilômetros. Ela é medida em camaradagem, solidariedade e vivências.


Dicas e etc.

*Lembra-te de manter um ritmo constante e não uma velocidade constante.
*É um passeio e não uma competição.
*Mantém contato visual com os teus parceiros.
*Caminha um quilômetro cada três ou quatro horas de pedal.
*Toda subida não tem que ser feita no pedal ou de uma vez só. Cuida de teus joelhos.
*Faz paradas curtas em lugares agradáveis (5-10 minutos).
*Lembra-te de agendar tempo para a manutenção básica do dia a dia. (ajustar a bicicleta e lubrificá-la, lavar a roupa, comprar comida, procurar um remédio, fazer um telefonema, etc.). Não queres precisar fazer essas coisas às 1horas da manhã ou num domingo de feriado.
*Usa sabonete de cirurgião (sara pequenas infecções).
*Vaselina ou Hypogloss pra bunda antes de pedalar.
*Protetor solar, repelente, papel higiênico.
*Escova os dentes.
*Usa camisinha.

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quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Viagem às Missões parte 3

Ernesto Alves/Santiago (27kms)

Eu dormi por 14 horas. Só me mexi para mudar a rede do sol para a sombra. Na noite anterior, a gente jantou no Mirante Bar, carne assada, aipim, arroz, salada e não me lembro o que mais. O dono não sabia quanto cobra-nos. "Paguem o que vocês achar certo" foi o que ele diz. As sobras do jantar viraram o nosso almoço num dia de folga.

Lavamos a louça, varremos a casa e, lá pelas cinco horas, saímos pedalando rumo Santiago. Começou chover. Furei um pneu. O meu freio traseiro emperrou. O José teve a bondade infinita de descer uma subida de 30 minutos para ajudá-me. Obrigado. Obrigado. Obrigado. Demoramos três horas para chegar a Santiago. O Vicente chegou cansado, mas chegou.

Nos hospedamos no Selton Hotel, perto da rodoviária. Jantamos e fizemos uma visita surpresa ao irmão do José. Imaginem a cena: São as 23horas. Você está tranqüilamente assistindo um programa de televisão. Soa a campainha. Você olha pela janela e vê seis pés-de-chinelos acampados na frente do portão. Vai ter um momento de nervosismo, não vai?

Santiago/São Luiz Gonzaga (100kms)

Não dormi bem. O Vicente pareceu ter melhorado, pelo menos estava com vontade de pedalar. O José e Eduardo começaram ter problemas estomacais.

Caminho a Bossoroca,paramos para almoçar no sitio de Felipe, um amigo de José. Felipe é um colono moderno que aplica as últimas pesquisas agrícolas dum jeito ecológico.

Depois de dar-nos as bem-vindas, o Felipe nos convidou a um passeio pela fazenda dele. Parte da propriedade ainda está coberta pela mata nativa e até é o lar dum casal de bugios. O Felipe não só conhece cada árvore, ele sabe o uso tradicional de cada uma delas, tecnologia e informação que está sendo rapidamente perdida.

Almoçamos arroz carreteiro feito com charque.

Fazia algum tempo que o cubo traseiro da bicicleta de José estava fazendo um barulho estranho. Eu pensei que tivesse quebrado o eixo. Dava pra ver que um raio estava quebrado. Quando chegamos a Bossoroca, o José e eu demos uma voltinha em procura duma loja de bicicletas. Achamos a Nazaré Bike, um buraquinho que tem tudo para consertar uma Barra Forte.

-Essa bicicleta é importada, não é?
-É.
-Olha só, peças Shimano. A gente tem algumas dessas por aqui.
-O senhor tem raios?
-Raios de luxo como esses, não. Só tenho raios comuns. Mas, olha, é só trocar a catraca e botar um cubo novo...

Eu comecei ficar deprimido. O cara estava pronto pra ligar pros parentes dele e contar a novidade, uma bicicleta importada em Bossoroca. Voltei à praça central, onde estava o resto do grupo.

-O José achou a loja?
-Não sei se vão poder consertar o problema.

Um refrigerante e um sorvete mais tarde, o José apareceu.

-Não troquei o cubo, mas o dono da loja consertou o raio quebrado e não queria cobra-me nada.

Mas o cubo dele ainda fazia traquetitraquetitraqueti, nada de bom. Só mais tarde, em São Luiz Gonzaga, foi que ele conseguiu trocar os rolamentos. Os velhos tinham ficado quadrados. O serviço foi feito na oficina de bicicleta Manús Bike (3352-7271,99163079). O nome do dono é João de Deus Robidas Paredi.

Fomos acolhidos em São Luiz Gonzaga por o professor de historia, Sergio Venturini e o diretor da Escola Técnica Estadual Cruzeiro do Sul, Telvi Favin. O Sr. Venturini nos contou a história das Missões com uns detalhes que não tenho o espaço para relatar aqui, mas que vocês podem ler no livro dele, Inhacurutum. Esse também é o nome da consultoria em educação e turismo que ele dirige (55-3352-2197,55-9975-8782).

O Sr. Favin nos ofereceu alojamentos na escola, a qual tem que ser quase auto-suficiente. Se tivesse que depender só nas verbas estaduais, teria que fechar as portas. A maior parte da renda vem da piscicultura, mas na escola também criam gado, galinhas, ovelhas e um monte de outras coisas.

São Luiz Gonzaga/São Miguel das Missões (60kms)

Acordei com o "baaa" das ovelhas pastando. Comprei um pneu novo. Fomos desapontados pelos museus da cidade e pedalamos rumo S. Miguel.

A 285 é ruim, ruim, ruim. É o eixo principal do Mercosul. Centenas de caminhões passam por ela, caminhões gigantescos. E, ainda mais horrível, não tem acostamento, só pedregulhos. O acostamento asfaltado não começa até 40 quilômetros antes de chegar a Ijuí. Odiei essa rodovia.

Para piorar a situação, aconteceu um evento que devo classificar de "iminente evacuação explosiva". Estava pedalando sozinho e tinha atravessado uma ponte quando senti a iminência da explosão. (10,9,8...)A um lado, um barranco com quatro metros de altura. (7,6,5...)Do outro lado, asfalto. (4,3,2...)Nenhuma arvorezinha. (1,0...) Vários motoristas e caminhoneiros testemunharam a força irresistível da natureza e eu jurei não comer mais charque pelo resto da minha vida.

Achamos Caaró por pura sorte. Uma velhinha, dona dum botequim onde paramos para descansar, nos tinha falado do sitio. Fica a sete quilômetros da 536, a entrada às Missões. Esse santuário, que não aparece no meu mapa, é o berço das missões, os sete povos, Rio Grande do Sul e todo o que é a cultura gaúcha hoje em dia. O padre Roque Teu Kathen, um dos padres que mantém o santuário (55-505-7427), me deu uns panfletos.

"Depois de fundar numerosas comunidades cristãs (reduções) entre os índios no Paraguai e região missioneira da Argentina, entraram em terras do atual Rio Grande do Sul, onde a 3 de maio de 1626 celebraram a 1a missa em terras gaúchas, na localidade de São Nicolau. Depois de dois anos e meio de intenso trabalho missionário, fundando cinco comunidades ou "reduções", foram mortos por um grupo de índios rebeldes à evangelização, liderados pelo cacique-pagé Nheçu. Pe. Roque Gonzales e Pe. Afonso Rodrigues foram mortos na recém fundada redução de Caaró, no dia 15 de novembro de 1628, e o Pe. João de Castilho, dois dias mais tarde, em Assunção do Ijuí".

Só que, o coração do Pe. Roque Gonzales não apodreceu. Foi guardado num reliquiario que hoje é preservado em Assunção. Médicos têm examinado o tecido e garantem que é músculo cardíaco. Linda história.

A triste história é que Caaró foi o lugar onde o Eduardo, Vicente e Allison decidiram regressar para Porto Alegre. Pedalaram com Renato, José, e eu até a 536. Nos despedimos e eles continuaram caminho à rodoviária de Santo Angelo.

Falei com Eduardo ontem e ele me contou que, por sorte, pegaram uma carona até Sto. Angelo.

Nos três continuamos e chegamos a S. Miguel das Missões depois de pedalar por 12kms de estrada recém asfaltada. Que nojo.

Achamos um hotel, tomamos banho, jantamos e Renato e José foram assistir o espetáculo de som e luz. Eu caí no maior sonho. Duas horas mais tarde, batiam na minha janela.

-Luis, Luis! Abre a janela para nos poder entrar.
-O que? O que?
-Abre a janela.
-Não posso abrir a janela. Tem uma cama na frente. Vou pro gerente.

Achei outro hóspede. Ele achou o gerente. O gerente abriu a porta. Eu não fechei os olhos pelo resto da noite.

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Viagem às Missões parte 2

Santa Maria/Jaguari (117kms)

Nos despedimos do Mauricio pela manhã. Eu fiquei com saudades dele. O acho uma fonte inexaurível de otimismo.

Eu esqueci de mencionar que o Eduardo teve problemas com o bagageiro dele no primeiro dia da viagem. Em Santa Cruz do Sul, ele fabricou uma extensão para o bagageiro usando dois pedaços de pau e uns arames. A geringonça funcionou e ele continuou aperfeiçoando-a durante a viagem. Acho que vai patenteá-la. Mas, muito mais importante foi o pequeno taco de madeira que ele achou.

O pezinho da bicicleta de Eduardo é curto demais, mas com a adição do taco fica perfeito. Esse taco de madeira virou um talismã, um fetiche venerado que foi levado em procissão por todo lugar que visitamos.

Continuamos pela 287, sentido Jaguari.

Quando o José fala que "é só reta" ou "é plano daqui a diante", vocês podem apostar em que a estrada vai virar uma montanha russa. Foi o que aconteceu neste caso. Enfrentamos um sobe e desce sem fim.

O José e eu estávamos pedalando juntos quando vimos um ciclista de bombachas. Era um cara simples pedalando uma Barra Forte, a camisa aberta e as bombachas parecendo com as velas dum barco. Cumprimentamos o cidadão.

-Dá para tirar uma foto?
-Não tenho dinheiro.
-Não vamos cobrar, não. Só queremos tirar uma foto.
-Não tenho dinheiro.
-Não queremos dinheiro.

Por fim, ele aceitou e tiramos a nossa foto. O cara saiu pedalando a 30kms/hora. Acho que o cidadão ainda está falando dos dois veados de bermudas apertadas que queriam assaltá-lo.

Eu não me lembro se aconteceu durante esta etapa da jornada ou no dia anterior, mas foi um evento que eu acho teve graves repercussões. Paramos num posto de gasolina e ouvi alguém dizer.

-Tem água gelada na geladeira.

Quando abri a geladeira vi uma balde azul, sem tampa, cheio de água. Não parecia ser muito confiável e pensei que seria mais prudente comprar uma garrafa de água mineral. Foi o que eu fiz. Beber água limpa e lavar as caraminholas ou os camelbacks uma vez por dia é muito importante para evitar transtornos estomacais.

Outra coisa que gostaria de mencionar aqui é a importância de beber grandes quantias (4 ou 5 litros diários) de água antes de sentir sede e a importância de comer sal durante uma viagem no meio dum calorão. Todo o mundo goza de mim porque sempre estou comendo bolachas salgadas, mas é importante para prever a desidratação. A régua é: Quando o vosso suor ficar com um gostinho bom, é hora de comer sal. Outra régua é: Se você não urinar pelo menos uma vez por dia, é sinal de desidratação. Refrigerantes, cerveja, e cafés fazem o corpo precisar de mais água ainda.

Chegamos em Jaguari pelas sete horas. Fomos direto pro rio e descansamos. Às oito horas procuramos um hotel barato. Achamos a Pousada Bela Note, que não era muito barata. O José queria pedalar até Ernesto Alves. Eu protestei.

-Mais vinte quilômetros? Na escuridão? Sem comer? Eu não posso, não. Se vocês querem ir, podem ir embora. Eu tenho a minha rede e posso dormir em qualquer canto.

-Ta, então voltamos pra pousada.
-Mas que vamos fazer com a galinha?

Pois é. Já tínhamos comprado a janta, uma galinha congelada. Essa galinha passou a noite na geladeira da pousada, viajou no próximo dia com a gente e finalmente foi doada pro um churrasco. Eu senti certa afinidade por ela e a apelidei de Lucia. Até tive a idéia de fazer camisetas com o desenho duma galinha pedalando uma bicicleta só que não dá certo dentro do contexto cultural.

Terminamos o dia jantando no Tio Nenê. A maravilhosa Bisa foi a nossa anfitriã. Boa janta. Fogos de artifício. Carnaval de rua. Uma boa cama. Muito bom. Show de bola.

Jaguari/Ernesto Alves e cercania (50kms)

Depois dum bom café da manhã, pedalamos norte pela 287.

A paisagem começou ficar mais e mais bonita. Passamos por um bosque de pinho com vistas longínquas das coxilhas a traves das árvores. O Rio Rosário é atravessado por uma ponte ferroviária. De longe, parece ser feita de imensos troncos. É uma visão da Idade Média.

Entramos na gruta de Nossa Senhora de Lourdes. A gruta é um corte na rocha viva, como um grande golpe de machado, com uma imagem da virgem dentro. Eu achei muito interessante que, detrás da virgem, tem uma imagem de Iemanjá, figuras dos Pretos Velhos e as oferendas dos macumbeiros.

Um pequeno letreiro na entrada duma estrada de chão indicava o caminho a Ernesto Alves. Deixamos o asfalto, atravessamos uma pequena ponte de ferro, e entramos num mundo bucólico. Ernesto Alves é uma ilha no tempo. Não anotei os dados, mas acho que o José, que passava os feriados ali quando era um guri, me contou que a luz elétrica chegou lá em 1985 e a influencia da primeira televisão um pouco depois. Antes disso era só vela, lampião, aparições e lobisomens.

No balneário de Ernesto Alves, entramos no Mirante Bar, onde conheci uma figura local. O homem tem mais de 70 anos, é forte pra caramba e cuida da mãe, que está com mais de 100 anos. Quando o velho me deu uma palmada nas costas, quase me derrubou.

Os motociclistas da TTT (Trilhas, Tombos e Tragos) estavam lá. O Freddy ficou admirado com a nossa façanha ciclística.

-Eu pensei que a gente era maluca, mas vocês são mais malucos que a gente. Têm que passar pela casa e comer um churrasco.

Comemos até estourar. Ali foi onde nos despedimos de Lucia, a galinha. O Freddy ligou para o repórter dum jornal local. Tivemos os nossos 15 minutos de fama. O repórter nos entrevistou, tentando fazer que o José condenasse o novo sistema de educação rural. O José foi muito circunspeto, mas tenho certeza que a manchete vai ser algo como "Filho Pródigo de Santiago Fica Horrorizado...".
Também fomos fotografados sentados sobre as nossas bicicletas e lendo o jornal.

-Mas o que é isso? Estamos fazendo uma propaganda para o jornal. O jornal deve pelo menos patrocinar parte da nossa viagem.

O Eduardo acalmou os meus instintos capitalistas.

A casa que a família do José tem em Ernesto Alves é um museu colonial. Eu fiquei doido. O rádio deve ter 60 anos. A mesa da cozinha é feita de latão, um anúncio antigo com mais de 50 anos. Eu sendo o José, desmontava a mesa e pendurava o anúncio na parede de minha casa como uma obra de arte. Naturalmente, o nosso anfitrião também tinha mel puro, um garrafão de cachaça de alambique, árvores frutíferas no quintal, leite da vaca da vizinha, melancia de outro vizinho, pão fresco, camas para um exército, em fim, tudo. Não sei porque o cara mora em Porto Alegre.

Estávamos lavando a nossa roupa no quintal quando o Vicente começou passar mal com vômitos e diarréia. Ficou muito pálido e muito fraco. O problema com um paraíso bucólico é que não tem farmácia na esquina ou médico de plantão.

-Que queres fazer?
-Eu vou ficar deitado. Já me sinto melhor.
-Tens certeza?
-Tenho. Allison e eu vamos ficar descansando.
-A gente vai dar uma voltinha pela gruta de Nossa Senhora de Fátima e volta já.

Eu fiquei com pena de Vicente. Puxa, chegar a um lugar tão bonito e ficar doente é muito ruim.

A distancia à Nova Esperança do Sul é curta, mas a subida é íngreme e, apos a subida, vem uns quatro quilômetros de estrada de chão. O esforço valeu a pena.

Topamos com uma igreja antiga de pedra maciça no meio dum pasto cheio de vacas. Não sei o nome da igreja e as portas estavam trancadas assim que não pudemos entrar, mas ela me deixou com uma emoção entre tristeza e saudade que ainda sinto.

A gruta de Nossa Senhora de Fátima é um lugar muito impressionante, literalmente uma catedral subterrânea esculpida pelas águas dum rio durante milênios. É cheia de corredores secundários, salões, passagens estreitas e saídas inesperadas.

Ao lado da gruta fica uma cachoeira, o Véu da Noiva, mais uma segunda cachoeira que não visitei. A seca tem diminuído o volumem da água consideravelmente, mas, ainda assim, a cascata é muito bela.

Descansamos um pouco no Bar da Gruta e voltamos para Ernesto Alves.

O Vicente estava melhor, mas ainda muito fraco.

-Que queres fazer?
-Não sei. Não posso pedalar a lugar nenhum.
-Vamos ficar aqui amanhã e, pela tarde, se estas com mais forças, damos um pulinho a Santiago. Podes ir ao posto de saúde ou à farmácia.

Arrumamos as camas para nos deitar. Eu peguei a minha rede e a pendurei entre duas árvores. Eu acho que o José ficou um pouco magoado por eu não querer dormir dentro da casa.

-Luis, lá dentro tem camas, cobertores, tudo.
-Mas José, quando é que vou ter outra oportunidade de dormir debaixo dum céu como esse?

Não tinha uma nuvem. O ar estava cristalino. Passei a noite com centenas de milhares de estrelas como teto.

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terça-feira, fevereiro 15, 2005

Viagem às Missões parte 1.

Uma viagem de bicicleta do cinco de fevereiro de 05 ao 13 de fevereiro de 05. As fotos virão mais tarde.

-Quantos quilômetros pedalaram?

Pedalamos 800 quilômetros, mas essa não é uma pergunta muito interessante. Mais interessante seria perguntar,

-Aprenderam alguma coisa?
-Tiveram vivências emocionantes?
-Superaram limites pessoais?

Eu, sim. Acho que o resto do grupo também.

Como foi o assunto...

Um amigo, o José, planejou uma viagem/maratona que ia percorrer o seguinte trajeto pelo Rio Grande do Sul e Sta. Catarina:

De ônibus até Jaguari, depois, de bicicleta a Santiago, Bossoroca, São Luiz Gonzaga, S. Miguel das Missões, Ijuí, Passo Fundo, Vacaria, Lajes e Garopaba.

Eu reclamei.

-Minha Sagrada Virgem do Perpetuo Pedal! Só de Ijuí a Passo Fundo são uns 190kms. De Passo Fundo a Vacaria também. Eu não sou nenhum super-homem.

-Tens que vir.

-E é Carnaval! Eu não quero pedalar pelo litoral no Carnaval.

-Tens que vir.

-Bem, eu quero conhecer as Missões, mas não quero sair de Porto Alegre de ônibus. Eu vou embora de bicicleta no dia três e encontro vocês em Jaguari na noite do dia cinco, pedalo com vocês até Ijuí e regresso a Porto Alegre de ônibus.

Os planos mudaram mais uma vez e todos decidiram sair de Porto Alegre pedalando.

Quem foi?
O Alberto, veterano de passeios pelo Uruguai e, eu acho, a Argentina também.
O Mauricio, parceiro no pedal a Carlos Barbosa.
Vicente e Allison, o duo dinámico.
O José e o Renato, sempre na frente.
O Eduardo, que decidiu comprar um alforje parecido com um pequeno elefante roxo.
E eu, pedalando a famosa Vovô-Matic.

Porto Alegre/Sta. Cruz do Sul (171kms) 

A 386 até a 287 é a rota mais direta, mas é muito movimentada e a 386 não tem acostamento depois de Esteio, assim que fomos por Charqueadas, General Câmara e Vale Verde.

Tinhamos três (ou quatro?) máquinas fotográficas e, em cada parada durante a viagem, a gente parecia com paparazzi.

-Agora com a minha.
-Tirastes? Já tirastes?
-Eu não tirei.
-Tira com essa também.
-Eu quero uma foto. Eu quero uma foto.

Que barato. Ou, como o Renato repetia, "Show de bola".

Não almoçamos em General Câmara, um erro duma magnitude astronômica, pois não tem onde comer nos seguintes 50kms. O pior é que a culpa foi minha.

-Buffet livre num posto de gasolina com um cheiro ruim de combustível? Deus me livre.

E Deus nos deixou com fome.

Eu gosto de começar o dia com o mesmo ritmo e velocidade que vou ter depois de dez horas pedalando. Ou seja, no começo do dia, eu fico dois ou três quilômetros atrás da gente. Assim foi que, a 10kms de Vale Verde, encontrei o grupo reunido debaixo da sombra dumas árvores na frente dum boteco. Todos estavam supervisionando o Eduardo, que estava mexendo com a corrente da bicicleta dele. Ignorei os problemas mecânicos e corri pro boteco. Comprei a pior cuca que já comi na minha vida e, quando saí do boteco com a boca cheia, perguntei pro Eduardo.

-O que estás fazendo?
-Dando a volta a corrente pra ver se para o barulho.
-E tu tiraste o pino?
-Tirei.

Não se pode tirar o pino do elo quando abrir uma corrente. Se fizer, é o cão colocar de novo. O Eduardo suava no calor. A gente fazia comentários úteis.

-Tem que esterilizar a corrente antes de instalar de novo.
-Lembra-te de tirar a ferramenta.

A corrente só precisava de óleo.

A seguinte parada foi no Parque de Pesca Panorama (9997-5971, 51-6141054), que é o lugar onde os participantes do Audax 200 voltam pra Porto Alegre. A Irma só tinha café, refrigerantes e torradas. Ela não estava esperando tanta gente. Quando o pessoal começou jogar sinuca, eu decidi ir embora.

Um calor infernal combinado com uma subida infernal completou a nossa viagem à Santa Cruz do Sul onde tínhamos combinado encontra-nos com o Luiz Faccin de Faccin Bicicletas Ltda (51-713-2281). Antes de visitar a loja, nos hospedamos no Antonio´s Hotel, onde recebemos um telefonema do Eduardo. O Alberto estava passando mal e não podia pedalar mais.

Contatamos o Luiz Faccin e ele teve a gentileza de pegar a camionete dele e resgatar o Alberto, que chegou muito pálido e fraco. Eu acho que pode ter sido desidratação.

Guardamos as bicicletas no salão de jogos, mas quem ia cuidar delas? Eu queria poupar a diária, assim que virei segurança e dormi na mesa de sinuca.

Cometemos um pequeno erro táctico. O Carnaval desfilava a 30 metros do hotel.

Notas: É uma rota bonita, mas dá para ver os estragos da seca. Os rios estão bem baixos. Os cultivos estão queimados e murchos. O gado está emagrecendo.

Sta. Cruz do Sul/Santa Maria (152kms) 

Quando revisei a bicicleta pela manhã, achei que uma das pastilhas do freio traseiro estava desajustada e tinha gastado a parede do pneu. Uma bolha tinha se formado e o pneu estava pronto para estourar. Ligamos para o Luiz Faccin, mas ele estava de viagem. Sendo domingo, o comercio estava fechado. Eu decidi continuar com o pneu como estava. Se estourasse, o Renato tinha um pneu extra.

O Alberto não se recuperou. Ele acordou muito fraco e decidiu voltar a Porto Alegre de ônibus. O acompanhamos à rodoviária e nos despedimos dele com tristeza.

Às nove horas, pegamos a 287 rumo a Sta. Maria. As subidas e descidas começaram depois de Candelaria. Foram muito cansativas.

Ouve um motim em Novo Cabrais.

-A gente almoça aqui.
-Não vou ficar com fome como ontem, não.
-Que tem pra comer?
-A la minuta? Maravilha!

O José e o Renato resmungaram, mas aceitaram, comeram e ficaram cochilando na frente do restaurante. Eu aproveitei a parada para levar a bicicleta a uma borracharia. O dono vulcanizou uns pedaços de borracha no interior do pneu e o deixou novinho em folha.

-Tu achas que vai durar?
-A Santa Maria o senhor chega.

Deixei os amigos dormindo a sesta e fui na frente. Passei pelos letreiros da Rota Paleontológica, pequenos povoados e lugarejos onde tem encontrado fósseis de animais pré-históricos. Acho que seguir a rota seria um passeio muito interessante.

O grupo passou na frente e eu fiquei pedalando com o Eduardo, assim que ele e eu perdemos o grande confronto com a Polícia Rodoviária. Ou, como o Eduardo diz.

-Será que parecemos tão inofensivos mesmo?

Segundo o Vicente, ele estava pedalando no asfalto quando um policial o parou e diz.

-Tem que pedalar no acostamento.
Vicente falou.
-O acostamento está totalmente esburacado e cheio de pedras. Não dá para pedalar.
-Então tem que empurrar a bicicleta. Vamos registrar uma ocorrência. Se alguma coisa acontecer, vai ser a sua responsabilidade.

O José e o Renato foram abordados pelos mesmos policiais.

-Tem que pedalar no acostamento.
O Renato respondeu.
-Eu sempre pedalo no acostamento, mas nestas condições é impossível. Os meus pneus não são adequados para pedras e buracos.
-Quantos são? De onde vem?
-Somos sete. Saímos de Porto Alegre.
-Sete? Isso é muito preocupante. Vocês têm experiência?
-Temos. Um de nosso grupo tem viajado pelo mundo inteiro.
-Esse é o Americano? Você sabe onde é que ele está?
-Está lá atrás a uns dois ou três quilômetros.
-Eles estão a dez quilômetros de distancia.

E estávamos, porque o Eduardo e eu tínhamos parado para comer uma melancia. Não tenho a menor idéia de como o policial sabia que eu era um estrangeiro. Deve ser a traves de algum tipo de poder psíquico.

-Vamos cuidar de vocês.

Na minha opinião, os policiais estavam fazendo seus dever. Era o fim de semana de Carnaval. A estrada estava muito movimentada. Com certeza, eles já tinham tido que lidar com bêbados e acidentes de transito, não queriam responsabilizasse por mais sete malucos.

Chegamos a Santa Maria já anoitecendo. Tentamos de achar um hotel barato. Foi um sobe e desce danado pelas ladeiras da cidade. Finalmente, ficamos descansando num canto em quanto Eduardo e José continuaram procurando.

Uma mulher saiu duma casa e começou conversar com Allison.

-Eu tenho uma loja de lingerie, sabe?

A Allison sumiu. Minutos mais tarde, ela saiu da casa da mulher.

-Vicente, tu tens um real?

Eu jurei que não ia revelar isso, mas a minha responsabilidade como repórter é maior.

José e Eduardo acharam dois hotéis. O primeiro era uma espelunca com um funcionário que fedia a cachaça. O segundo, o Hotel Gloria era simples, mas adequado.

Mauricio recebeu um telefonema do irmão dele. Tinha que voltar a Porto Alegre para fazer um negócio. Espero que, se ele vire milionário, ele patrocine todos os nossos passeios.

Notas: Esse trecho da 287 não tem paisagens bonitas, mas acho que, com mais tempo disponível, valeria a pena passear pelas pequenas comunidades a cada lado da estrada. Os estragos da seca continuam. Domingo de Carnaval não é o dia para visitar Santa Maria. Todos os estudantes foram embora e tudo está fechado.

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quarta-feira, fevereiro 09, 2005

De Porto Alegre a Ijuí - notícias

Estamos eu, o Vicente, a Alison, o Eduardo, o Luis e o Renato Batista em Santiago do Boqueirão. Consta nos nossos ciclocomputadores algo cerca de 500 km rodados. Partimos no último sábado de Porto Alegre, com pernoites em Santa Cruz, Santa Maria, Jaguari, e Ernesto Alves.
Estamos indo amanhã pela manhã rumo a São Luis Gonzaga. Se tudo correr bem, nosso destino final será em Garopaba. Portanto falta algo em torno de 1000 km.
Aguardem longo relato do Luis.

quarta-feira, janeiro 19, 2005

Porto Alegre/Lajeado Grande-RS/Capão da Canoa



No último fim de semana eu e o Maurício fizemos um passeio de 305 km, sendo 70 km de estrada de terra, pela serra e litoral gaúchos.

A princípio iriam três: o Maurício, o Alberto e eu. Mais tarde o Guilherme falou que poderia nos acompanhar até novo Hamburgo com mais dois companheiros, podendo até fazer a volta por Taquara.

Por fim, marcamos todos um encontro no posto de gasolina em frente ao monumento do laçador às 6:30 hs de sábado.

Já na sexta, devido às previsões meteorológicas/barro o Alberto meio que desistiu.

Encontrei-me às 5:55 hs de sábado com o Maurício no posto do final da Av Santana, caia uma garoa fina.
Decidimos seguir a programação, pois prevíamos que aquilo não passava de chuva de verão.
Além disso eu queria testar meu novo avanço Tranz X 394, pois alguns diziam que dava mais conforto nas pedaladas.

É muito ruim pedalar longas distâncias com mochila nas costas. Durante a semana toda o Maurício tinha procurado um bagageiro para a Scott dele, sem sucesso, nenhum encaixava. Portanto colocamos as duas mochilas no bagageiro da minha Schwinn. Ele ia de pneu borrachudo, e eu de pneu semi-slick.

Partimos às 6:10 do posto Esso da Avenida Santana. Chegando ao posto de gasolina em frente ao laçador não havia nenhum ciclista. Eram 6:45 hs quando nós dois rumamos do posto em direção à Cachoeirinha.
Pegamos uma chuvarada assustadora desde o Pampa Safári até adiante de Morungava. A estrada parecia um riacho. Já tínhamos rodado 45 km, quando furou o pneu dianteiro da minha bike. Trocada a câmara debaixo de chuva, continuamos a viagem.

Passou a chuva, paramos numa borracharia 20 km antes de Taquara para comprarmos outra câmara, sempre levo duas de reserva. O borracheiro perguntou para onde estávamos indo, e ficou um tanto assustado quando falamos que íamos para Lajeado Grande.
Achou que não estávamos bem da cabeça.

Rapidamente seguimos viagem, só parando num posto de gasolina adiante de Taquara para tomarmos um Gatorade.
Próximo à Igrejinha minha correia começou a fazer um barulho estranho. Passei a mão nela e notei que estava seca! A chuvarada tinha lavado todo o óleo que eu tinha passado na véspera.

Para se conseguir óleo de qualidade razoável talvez só entrando em Igrejinha, não queria perder muito tempo, pois para chegar a Lajeado Grande ainda tinha muito chão pela frente.
O Maurício queria tomar um caldo de cana. Paramos numa tenda à beira de estrada, perguntei se eles tinham um óleo para emprestar, e um Sr. disse que tinha óleo de motor.
-Vai esse mesmo!

Passei o óleo, sumiu o barulho da correia.
Estava tudo seco pelo caminho para Gramado, inclusive uma cascata onde existem imagens de Nossa Senhora numa curva, em plena subida. Não havia chovido por ali.
Paramos a uns 7 km de Gramado, onde vendiam caldo de cana, etc. Fazia muito calor, tempo nublado, nada de chuva. Havia muita abelha rondando por ali, acabei levando uma ferroada no peito.

Durante a subida, já notei que com avanço Tranz X 394, além de forçar mais a coluna, reduzia o rendimento do pedal. Contudo parece que evitava formigamentos nas mãos.

Chegamos em Canela às 14:30 com uma Vm pedalada de 17,5 km/h. Comemos um X (cheese), compramos óleo de máquina Singer, água mineral, umas barras de cereais no mercado Unidão e partimos para Lajeado Grande. Eram 15:30 hs.

Logo depois de Canela, na estrada que vai para S. Francisco de Paula, entramos à esquerda.
A partir dali teríamos 43 km de estrada de terra pela frente, e foi por ali que começou a dar problema no movimento central ou pedivela da bike do Maurício.
Parecia haver uma folga na pedivela. Não tínhamos a chave allen 8 mm. Seguimos adiante, pensando em conseguir uma chave emprestada mais adiante.

Não havia chovido nos arredores de Canela, na estrada que vai a Bom Jesus. Tinha muito pó misturado com pedras roliças soltas. O movimento de carros era escasso. Logo no início do estradão lembramos do Alberto. Não por causa do barro, que não existiu, mas por causadas pedras soltas roliças nos descidões em curva.
Se o Alberto tivesse ido, ele iria usar pneus slick 1,5. Teve sorte. Certamente não passaria dos 10 km/h naquela estrada, usando aquele tipo de pneu.
Descemos quase sem parar por aquela estrada de chão até a localidade chamada Passo do Inferno, onde havia uma barragem com o mesmo nome.
Logo mais adiante estava o Parque da Cachoeira, com sua cachoeira transfigurada em filete d'água devido à seca.
Dentro do parque, a uns 20 m do portão de acesso havia um bar. Queríamos comprar água mineral no bar, mas a pessoa da portaria nos informou que teríamos de pagar 7 reais por pessoa para entrar ali, mesmo que fosse só para comprar água.
Depois de alguns acertos e insistências ela mesma acabou indo buscar a água para nós.
A partir do Parque da Cachoeira tinha um subidão íngreme de uns 2,5 km, sem interrupção.
Aí o movimento central da bike do Maurício, mesmo nas marchas mais leves, começou a berrar, guinchar.

Achei que não chegaríamos ao destino, aconselhei ele a empurrar a bike nas subidas mais íngremes, e usar marchas bem leves, sem forçar, até que chegássemos a Lajeado Grande onde pudéssemos talvez conseguir uma chave Allen 8 mm.
Seguimos em frente, lentamente nas subidas íngremes devido ao problema mecânico, onde ele ia empurrando a bike, e também devagar nas descidas para curtirmos a paisagem.
Aquela estrada nos oferecia belos visuais. Por ali vimos bugio, lebre, saracura. Havia poucas moradias na beira da estrada.

Fomos seguindo até um local onde havia uma espécie de galpão. Tinha um bar ali, e gente. Na verdade aquilo era um clube cheio de peões de estância jogando sinuca e baralho.
Paramos para tomar um refri. Pedi refri, e um dos peões, meio cambaleante, me ofereceu cachaça. Eu disse que se tomasse aquilo iria cair da bicicleta. Depois um outro me pediu dinheiro emprestado. Nos mandamos dali e fomos tomar os nossos refris mais adiante na estrada.

Quando faltava uns 10 km para chegar a Lajeado Grande, perto de um pontilhão, ocorreu um pequeno incidente/acidente. Uma guaipecada se abateu sobre o Maurício. Não eram grandes, mas eram muitos. Era uma matilha de vira-latas. Sorte que o Maurício ia a uns 10 ou 15km/h. Ele caiu no meio da cachorrada! E quase que cai de cima do pontilhão com bike, cachorrada, e tudo!
Assim que ele caiu ouvi um berro rouco e horrível:
-Saaaaaaai Jaguaaaara!!!!!

Era um velho, o dono dos cuscos. Se não fosse o berro do velho o Maurício certamente teria de tomar vacina anti-rábica.
Por volta das 19 hs, com chuva, chegamos em Lajeado Grande. Ao vislumbrar o vilarejo, o Maurício me propôs apertarmos o movimento central ou pedivela, pegarmos a rota do sol e seguirmos viagem, de noite mesmo, com chuva, até Capão da Canoa.

Eu estava com o corpo quente e muito pouco cansado, pois tínhamos vindo de vagar no estradão. Até pensei no caso, mas só tínhamos um farolete, portanto não achei boa a idéia. Além disso, eu já havia combinado por telefone com a dona de uma pousada, a Sra Iraci, que passaríamos a noite por ali mesmo, em Lajeado Grande.

Fomos numa oficina e conseguimos a chave allen, tentamos apertar a pedivela, mas não tivemos sucesso, pois ela já estava apertada quase ao máximo, e não tínhamos chave especial para apertar a contraporca do eixo do movimento central.
A partir dali pedalaríamos mais em asfalto, levamos em conta que não forçaria tanto o movimento central. Portanto ficamos um pouco mais tranqüilos. Já havíamos pedalado 176 km. Vm 16,5 km/h.

Chovia, mas ainda estava claro, fizemos um passeio de bike pelo Parque das Cascatas até o escurecer, quando fomos para a pousada da Dona Iraci. Ela nos foi muito receptiva, nos deu a chave de um porão. Abri a porta de ferro, entramos. O Maurício me disse que ali deveria ser só o local para guardar as bikes, não o de dormir. Mas era aquilo mesmo: um porão, bem simples, como o preço. Tinha dois quartos, banheiro, fogão, geladeira, mesa.

Dali da pousada fomos a pé, com chuva, de noite, molhados, procurar local onde comer. Alguém na estação rodoviária nos indicou um tal de bar do Paulinho a uns 800 m na estrada que vai para Bom Jesus. Eu estava usando bermuda e camiseta de ciclista, encharcado, e com frio. Ouvimos um burburinho lá dentro do bar, parecia estar lotado.
Quando entrei no "salão", as vozes silenciaram, todos ficaram quietos.
Ali estava reunida uma peonada da região, muitos de bota e bombacha, paramentados, de lenço vermelho, uns jogavam baralho fumando palheiro, outros sinuca, me olhavam de soslaio.

Lembrei-me imediatamente dos "saloons" dos filmes de faroeste, e também de uma letra do Jaime Caetano Braun que diz mais ou menos assim:

"E quanto olhar de índio feio!
quanta praga de xirua!
E relampear de trabucos,
tinir de adagas e puas..."

(Só faltava eu pedir um gatorade ou todinho)

Pedi comida. Mas só tinha "porção". Nos mandamos rapidamente dali antes que eles pensassem que a esponja da minha bermuda de ciclista fosse um "modess"(absorvente).

Caminhamos 1 km até o restaurante Gaston, à beira da rota do sol. Também não tinha comida.
-Nem um arroz com feijão?
-Nem arroz com feijão!
-Nem uma sobra??

Naquele ponto o Maurício me disse que pagaria uns 50 reais por uma simples polenta.
A caixa, a cozinheira e a garçonete, entre outros se reuniram, cochicharam, chamaram o dono do bar, seu Fernando. Por fim decidiram fazer uma "a la minuta" na hora, bem farta, com uns bifes gigantes!

Durante a janta, a garçonete perguntou de onde vínhamos. Quando ouviu a resposta perguntou:
-Vocês não têm medo???

Fomos para a pousada, saciados, tomamos um banho, colocamos roupas secas e dormimos.
Eram 23:00 hs.

Acordamos às 6:30 hs. O céu foi ficando límpido, tinha um vento frio.
Lavamos as bikes, desgrudei uma meleca de óleo de motor misturado com poeira grudada na correia, pinha e coroa. Encharcamos a correia com óleo de máquina Singer, e fomos tomar café no restaurante Gaston, que estava lotado de pessoas que viajavam pela rota do sol.

Partimos de Lajeado Grande rumo ao leste pela rota do sol às 8:30 hs. O movimento central da bicicleta do Maurício parou de ringir um pouco, parece que tinha cisma com estrada de terra. Por isso ficamos mais tranqüilos. O tempo estava parcialmente nublado, e tinha um vento contra relativamente gelado que chegava a fazer assoviar certas partes da bike. Mesmo nos maiores declives não conseguíamos atingir velocidades consideráveis.

Pedalamos uns 23 km pelas coxilhas até pararmos numa localidade chamada Várzea do Cedro, onde tomamos um litrão de refri sentados nuns postes de luz à beira da estrada. Seguimos viagem, deixamos Tainhas à direita, pedalamos até Aratinga, quando acabou o asfalto. Logo depois começou um descidão tipo Serra do Rio do Rastro, só que estrada de chão.

O movimento de carros era intenso, havia muita poeira, mas o visual era fantástico. O descidão tinha 8 km de extensão, passamos por um túnel em construção, inacabado. Logo depois começou o asfalto novamente. Um asfalto novo, liso, descidas íngremes em retões que terminavam em curvas fechadas, nesse percurso passamos por dentro de um túnel de 200 m de comprimento.
Logo depois, na localidade de Linha Bananeiras acabou o asfalto outra vez, paramos numa tenda para um caldo de cana. Dali, o restante até a BR 101 praticamente foi só estrada de chão, com muita poeira e movimento de automóveis.

Chegamos em Terra de Areia às 15 hs, com 276 km rodados. Partimos para Curumin, pegamos a interpraias. Quando faltava poucos km para chegarmos ao nosso destino, furou o pneu dianteiro da minha bike. Nosso destino era a casa de um cunhado meu, onde eu me encontraria com minha esposa para pegarmos um carro de volta à Porto Alegre.

Chegando lá, já tinhamos pedalado 305 km, com Vm de 17,1 km/h (dos 305 km, 70 km foram por estrada de terra).
Havia uma espécie de festa na casa do meu cunhado, com mais de 20 pessoas. Não sei se por causa da poeira, do sol, ou por causa do filtro solar que escorreu para nossos olhos, eu e o Maurício estávamos com os olhos de uma coloração vermelho vivo. Alguns devem ter pensado estávamos chapados! Pudera, andar 305 km de bicicleta! Só poderia ser coisa de maconheiro.

Enquanto meus cunhados jogavam dominó, fomos tomar um banho de mar. Assim que voltamos jogamos vôlei de dupla até quase o escurecer. Tomamos uma ducha gelada, e nos fartamos com café da tarde/churrasco junto com o pessoal – um manjar, onde tinha inclusive tatuíra frita.
Depois de respondermos muitas perguntas sobre a viagem, deixar a gurizada dar uma volta nas nossas bikes, colocamos as bicicletas no transbike e partimos para Porto Alegre à 23:00 hs. Cheguei em casa por volta da 1:30 hs, pronto para outra.