quarta-feira, janeiro 19, 2005

Porto Alegre/Lajeado Grande-RS/Capão da Canoa



No último fim de semana eu e o Maurício fizemos um passeio de 305 km, sendo 70 km de estrada de terra, pela serra e litoral gaúchos.

A princípio iriam três: o Maurício, o Alberto e eu. Mais tarde o Guilherme falou que poderia nos acompanhar até novo Hamburgo com mais dois companheiros, podendo até fazer a volta por Taquara.

Por fim, marcamos todos um encontro no posto de gasolina em frente ao monumento do laçador às 6:30 hs de sábado.

Já na sexta, devido às previsões meteorológicas/barro o Alberto meio que desistiu.

Encontrei-me às 5:55 hs de sábado com o Maurício no posto do final da Av Santana, caia uma garoa fina.
Decidimos seguir a programação, pois prevíamos que aquilo não passava de chuva de verão.
Além disso eu queria testar meu novo avanço Tranz X 394, pois alguns diziam que dava mais conforto nas pedaladas.

É muito ruim pedalar longas distâncias com mochila nas costas. Durante a semana toda o Maurício tinha procurado um bagageiro para a Scott dele, sem sucesso, nenhum encaixava. Portanto colocamos as duas mochilas no bagageiro da minha Schwinn. Ele ia de pneu borrachudo, e eu de pneu semi-slick.

Partimos às 6:10 do posto Esso da Avenida Santana. Chegando ao posto de gasolina em frente ao laçador não havia nenhum ciclista. Eram 6:45 hs quando nós dois rumamos do posto em direção à Cachoeirinha.
Pegamos uma chuvarada assustadora desde o Pampa Safári até adiante de Morungava. A estrada parecia um riacho. Já tínhamos rodado 45 km, quando furou o pneu dianteiro da minha bike. Trocada a câmara debaixo de chuva, continuamos a viagem.

Passou a chuva, paramos numa borracharia 20 km antes de Taquara para comprarmos outra câmara, sempre levo duas de reserva. O borracheiro perguntou para onde estávamos indo, e ficou um tanto assustado quando falamos que íamos para Lajeado Grande.
Achou que não estávamos bem da cabeça.

Rapidamente seguimos viagem, só parando num posto de gasolina adiante de Taquara para tomarmos um Gatorade.
Próximo à Igrejinha minha correia começou a fazer um barulho estranho. Passei a mão nela e notei que estava seca! A chuvarada tinha lavado todo o óleo que eu tinha passado na véspera.

Para se conseguir óleo de qualidade razoável talvez só entrando em Igrejinha, não queria perder muito tempo, pois para chegar a Lajeado Grande ainda tinha muito chão pela frente.
O Maurício queria tomar um caldo de cana. Paramos numa tenda à beira de estrada, perguntei se eles tinham um óleo para emprestar, e um Sr. disse que tinha óleo de motor.
-Vai esse mesmo!

Passei o óleo, sumiu o barulho da correia.
Estava tudo seco pelo caminho para Gramado, inclusive uma cascata onde existem imagens de Nossa Senhora numa curva, em plena subida. Não havia chovido por ali.
Paramos a uns 7 km de Gramado, onde vendiam caldo de cana, etc. Fazia muito calor, tempo nublado, nada de chuva. Havia muita abelha rondando por ali, acabei levando uma ferroada no peito.

Durante a subida, já notei que com avanço Tranz X 394, além de forçar mais a coluna, reduzia o rendimento do pedal. Contudo parece que evitava formigamentos nas mãos.

Chegamos em Canela às 14:30 com uma Vm pedalada de 17,5 km/h. Comemos um X (cheese), compramos óleo de máquina Singer, água mineral, umas barras de cereais no mercado Unidão e partimos para Lajeado Grande. Eram 15:30 hs.

Logo depois de Canela, na estrada que vai para S. Francisco de Paula, entramos à esquerda.
A partir dali teríamos 43 km de estrada de terra pela frente, e foi por ali que começou a dar problema no movimento central ou pedivela da bike do Maurício.
Parecia haver uma folga na pedivela. Não tínhamos a chave allen 8 mm. Seguimos adiante, pensando em conseguir uma chave emprestada mais adiante.

Não havia chovido nos arredores de Canela, na estrada que vai a Bom Jesus. Tinha muito pó misturado com pedras roliças soltas. O movimento de carros era escasso. Logo no início do estradão lembramos do Alberto. Não por causa do barro, que não existiu, mas por causadas pedras soltas roliças nos descidões em curva.
Se o Alberto tivesse ido, ele iria usar pneus slick 1,5. Teve sorte. Certamente não passaria dos 10 km/h naquela estrada, usando aquele tipo de pneu.
Descemos quase sem parar por aquela estrada de chão até a localidade chamada Passo do Inferno, onde havia uma barragem com o mesmo nome.
Logo mais adiante estava o Parque da Cachoeira, com sua cachoeira transfigurada em filete d'água devido à seca.
Dentro do parque, a uns 20 m do portão de acesso havia um bar. Queríamos comprar água mineral no bar, mas a pessoa da portaria nos informou que teríamos de pagar 7 reais por pessoa para entrar ali, mesmo que fosse só para comprar água.
Depois de alguns acertos e insistências ela mesma acabou indo buscar a água para nós.
A partir do Parque da Cachoeira tinha um subidão íngreme de uns 2,5 km, sem interrupção.
Aí o movimento central da bike do Maurício, mesmo nas marchas mais leves, começou a berrar, guinchar.

Achei que não chegaríamos ao destino, aconselhei ele a empurrar a bike nas subidas mais íngremes, e usar marchas bem leves, sem forçar, até que chegássemos a Lajeado Grande onde pudéssemos talvez conseguir uma chave Allen 8 mm.
Seguimos em frente, lentamente nas subidas íngremes devido ao problema mecânico, onde ele ia empurrando a bike, e também devagar nas descidas para curtirmos a paisagem.
Aquela estrada nos oferecia belos visuais. Por ali vimos bugio, lebre, saracura. Havia poucas moradias na beira da estrada.

Fomos seguindo até um local onde havia uma espécie de galpão. Tinha um bar ali, e gente. Na verdade aquilo era um clube cheio de peões de estância jogando sinuca e baralho.
Paramos para tomar um refri. Pedi refri, e um dos peões, meio cambaleante, me ofereceu cachaça. Eu disse que se tomasse aquilo iria cair da bicicleta. Depois um outro me pediu dinheiro emprestado. Nos mandamos dali e fomos tomar os nossos refris mais adiante na estrada.

Quando faltava uns 10 km para chegar a Lajeado Grande, perto de um pontilhão, ocorreu um pequeno incidente/acidente. Uma guaipecada se abateu sobre o Maurício. Não eram grandes, mas eram muitos. Era uma matilha de vira-latas. Sorte que o Maurício ia a uns 10 ou 15km/h. Ele caiu no meio da cachorrada! E quase que cai de cima do pontilhão com bike, cachorrada, e tudo!
Assim que ele caiu ouvi um berro rouco e horrível:
-Saaaaaaai Jaguaaaara!!!!!

Era um velho, o dono dos cuscos. Se não fosse o berro do velho o Maurício certamente teria de tomar vacina anti-rábica.
Por volta das 19 hs, com chuva, chegamos em Lajeado Grande. Ao vislumbrar o vilarejo, o Maurício me propôs apertarmos o movimento central ou pedivela, pegarmos a rota do sol e seguirmos viagem, de noite mesmo, com chuva, até Capão da Canoa.

Eu estava com o corpo quente e muito pouco cansado, pois tínhamos vindo de vagar no estradão. Até pensei no caso, mas só tínhamos um farolete, portanto não achei boa a idéia. Além disso, eu já havia combinado por telefone com a dona de uma pousada, a Sra Iraci, que passaríamos a noite por ali mesmo, em Lajeado Grande.

Fomos numa oficina e conseguimos a chave allen, tentamos apertar a pedivela, mas não tivemos sucesso, pois ela já estava apertada quase ao máximo, e não tínhamos chave especial para apertar a contraporca do eixo do movimento central.
A partir dali pedalaríamos mais em asfalto, levamos em conta que não forçaria tanto o movimento central. Portanto ficamos um pouco mais tranqüilos. Já havíamos pedalado 176 km. Vm 16,5 km/h.

Chovia, mas ainda estava claro, fizemos um passeio de bike pelo Parque das Cascatas até o escurecer, quando fomos para a pousada da Dona Iraci. Ela nos foi muito receptiva, nos deu a chave de um porão. Abri a porta de ferro, entramos. O Maurício me disse que ali deveria ser só o local para guardar as bikes, não o de dormir. Mas era aquilo mesmo: um porão, bem simples, como o preço. Tinha dois quartos, banheiro, fogão, geladeira, mesa.

Dali da pousada fomos a pé, com chuva, de noite, molhados, procurar local onde comer. Alguém na estação rodoviária nos indicou um tal de bar do Paulinho a uns 800 m na estrada que vai para Bom Jesus. Eu estava usando bermuda e camiseta de ciclista, encharcado, e com frio. Ouvimos um burburinho lá dentro do bar, parecia estar lotado.
Quando entrei no "salão", as vozes silenciaram, todos ficaram quietos.
Ali estava reunida uma peonada da região, muitos de bota e bombacha, paramentados, de lenço vermelho, uns jogavam baralho fumando palheiro, outros sinuca, me olhavam de soslaio.

Lembrei-me imediatamente dos "saloons" dos filmes de faroeste, e também de uma letra do Jaime Caetano Braun que diz mais ou menos assim:

"E quanto olhar de índio feio!
quanta praga de xirua!
E relampear de trabucos,
tinir de adagas e puas..."

(Só faltava eu pedir um gatorade ou todinho)

Pedi comida. Mas só tinha "porção". Nos mandamos rapidamente dali antes que eles pensassem que a esponja da minha bermuda de ciclista fosse um "modess"(absorvente).

Caminhamos 1 km até o restaurante Gaston, à beira da rota do sol. Também não tinha comida.
-Nem um arroz com feijão?
-Nem arroz com feijão!
-Nem uma sobra??

Naquele ponto o Maurício me disse que pagaria uns 50 reais por uma simples polenta.
A caixa, a cozinheira e a garçonete, entre outros se reuniram, cochicharam, chamaram o dono do bar, seu Fernando. Por fim decidiram fazer uma "a la minuta" na hora, bem farta, com uns bifes gigantes!

Durante a janta, a garçonete perguntou de onde vínhamos. Quando ouviu a resposta perguntou:
-Vocês não têm medo???

Fomos para a pousada, saciados, tomamos um banho, colocamos roupas secas e dormimos.
Eram 23:00 hs.

Acordamos às 6:30 hs. O céu foi ficando límpido, tinha um vento frio.
Lavamos as bikes, desgrudei uma meleca de óleo de motor misturado com poeira grudada na correia, pinha e coroa. Encharcamos a correia com óleo de máquina Singer, e fomos tomar café no restaurante Gaston, que estava lotado de pessoas que viajavam pela rota do sol.

Partimos de Lajeado Grande rumo ao leste pela rota do sol às 8:30 hs. O movimento central da bicicleta do Maurício parou de ringir um pouco, parece que tinha cisma com estrada de terra. Por isso ficamos mais tranqüilos. O tempo estava parcialmente nublado, e tinha um vento contra relativamente gelado que chegava a fazer assoviar certas partes da bike. Mesmo nos maiores declives não conseguíamos atingir velocidades consideráveis.

Pedalamos uns 23 km pelas coxilhas até pararmos numa localidade chamada Várzea do Cedro, onde tomamos um litrão de refri sentados nuns postes de luz à beira da estrada. Seguimos viagem, deixamos Tainhas à direita, pedalamos até Aratinga, quando acabou o asfalto. Logo depois começou um descidão tipo Serra do Rio do Rastro, só que estrada de chão.

O movimento de carros era intenso, havia muita poeira, mas o visual era fantástico. O descidão tinha 8 km de extensão, passamos por um túnel em construção, inacabado. Logo depois começou o asfalto novamente. Um asfalto novo, liso, descidas íngremes em retões que terminavam em curvas fechadas, nesse percurso passamos por dentro de um túnel de 200 m de comprimento.
Logo depois, na localidade de Linha Bananeiras acabou o asfalto outra vez, paramos numa tenda para um caldo de cana. Dali, o restante até a BR 101 praticamente foi só estrada de chão, com muita poeira e movimento de automóveis.

Chegamos em Terra de Areia às 15 hs, com 276 km rodados. Partimos para Curumin, pegamos a interpraias. Quando faltava poucos km para chegarmos ao nosso destino, furou o pneu dianteiro da minha bike. Nosso destino era a casa de um cunhado meu, onde eu me encontraria com minha esposa para pegarmos um carro de volta à Porto Alegre.

Chegando lá, já tinhamos pedalado 305 km, com Vm de 17,1 km/h (dos 305 km, 70 km foram por estrada de terra).
Havia uma espécie de festa na casa do meu cunhado, com mais de 20 pessoas. Não sei se por causa da poeira, do sol, ou por causa do filtro solar que escorreu para nossos olhos, eu e o Maurício estávamos com os olhos de uma coloração vermelho vivo. Alguns devem ter pensado estávamos chapados! Pudera, andar 305 km de bicicleta! Só poderia ser coisa de maconheiro.

Enquanto meus cunhados jogavam dominó, fomos tomar um banho de mar. Assim que voltamos jogamos vôlei de dupla até quase o escurecer. Tomamos uma ducha gelada, e nos fartamos com café da tarde/churrasco junto com o pessoal – um manjar, onde tinha inclusive tatuíra frita.
Depois de respondermos muitas perguntas sobre a viagem, deixar a gurizada dar uma volta nas nossas bikes, colocamos as bicicletas no transbike e partimos para Porto Alegre à 23:00 hs. Cheguei em casa por volta da 1:30 hs, pronto para outra.