terça-feira, dezembro 14, 2004

Porto Alegre - Carlos Barbosa (RS) - Porto Alegre

Ida e volta (210 km) a Carlos Barbosa (RS) relatado por Luis (cubano) no blog bicibrasil:

terça-feira, dezembro 14, 2004

Porto Alegre-Carlos Barbosa-Porto Alegre (220kms.)



Eu não sou nenhum Machado de Assis. Não sei escrever direito em Português, mas aqui vai.

No sábado passado, oito ciclistas intrépidos decidiram pedalar de Porto Alegre a Carlos Barbosa. Eu era um deles (música em crescendo).

-Tu vai subir a serra com uma marcha só?
-Vou.
-Tu ta doido.
-Estou.

Trajeto:
Ida- Norte pela BR116 até a 122, norte até a 446 e continuar até Carlos Barbosa.
Volta- 470 sul até Montenegro, 124 sul até a BR386. BR386 sul até Canoas. Ruas municipais até Porto Alegre.

-Olha só. Já fizemos 35kms.
-Coisa fácil.
-Vai dar para almoçar em Carlos Barbosa.
E eu reclamando,
-Eu quero churrasco. Estou com fome.

Deixamos atrás a área metropolitana com as suas fábricas e galpões, fumaça e barulho. Apareceram chácaras e sítios, pássaros, cavalos e vaquinhas. A subida começou em São Sebastião do Caí. Nossa velocidade diminuiu.

-Porque tu não botas marchas na tua bicicleta?
-Eu gosto do desafio.

E gosto mesmo. Não é um desafio físico, é mental, uma meditação.

Paramos para comer pasteis e bolinhos de carne. Fizemos outra parada para comer salada de fruta sob o olhar impassível de virgens de gesso cobertas de poeira.

-Vocês vêm de onde?
-Porto Alegre.
-Vão pra onde?
-Carlos Barbosa.
-Xiii! Têm tremenda subida na frente.

A tremenda subida começou em São Vendelino que fica a 14 ou 15 kms de Carlos Barbosa. Pra cima não tem santo que ajude, ninguém ajuda. Cada metro tem que ser moído a pedal.

Tínhamos parado numa ponte para tirar fotos (intrépidos ciclistas sobre uma ponte, intrépidos ciclistas com bicicletas, intrépidos ciclistas olhando pra baixo) quando alguém falou,

-Ué, tem uma estrada lá embaixo.
-O que é que é?
-Deve ser a estrada velha.
-E tem uma ponte sobre o arroio.
-Tem jeito de descer?
-Parece que tem.
-Vamos lá!
-Mas eu quero um churrasco.

Valeu a pena. Sombra refrescante. Água gelada. Uma brisa deliciosa. E até achamos duas casas abandonadas.

-Vamos invadir? Olha que podemos fazer uma invasão. Podemos ficar aqui e fazer um churrasco.
O admito, sou um pouco estranho.

A 7kms de Carlos Barbosa paramos para recuperar as forças.
Gatorade! Água! Rapadura! Bolo de milho! Qualquer coisa!

E eu ainda reclamando,
-Mas não tem churrasco? Estou morrendo de fome. Eu quero um churrasco.
-Já são três horas. Não vão ter comida em lugar nenhum.
-Eu quero churrasco!
Tenho uma mentalidade limitada.

Quando faltavam dois kms para chegar a Carlos Barbosa, eu não podia pedalar mais. Desci da bicicleta (a famosa e formosa Vovô-Matic) e fiz minha gloriosa entrada em Carlos Barbosa a pé. O resto do pessoal já tinha chegado e estavam descansando perto da estação ferroviária. A Maria Fumaça estava lá, baforando grandes nuvens de fumaça preta.

Carlos Barbosa é uma cidadezinha arrumada e próspera graças a presença da fábrica Tramontina. Achamos a Pensão de Dona Luiza e guardamos as bicicletas. Meus companheiros tomavam banho e eu insistia,

-Quero comer. Tenho que comer alguma coisa, um xis, um sanduíche.
-Tem um bar lá em frente.
-Tem churrasco?
-Não, mais tem xis.

Fui lá suado, fedorento, coberto de poeira e comi o xis mais delicioso de minha vida. Que alivio.

Fazer turismo em Carlos Barbosa não demorou muito tempo. O lugar é bem pequenino. A loja da Tramontina estava fechada. Uma loja de queijos estava fechando, mas o dono indicou onde a gente poderia comer, O Alambique. Fomos lá.

-Boa tarde, senhora. Que é que tem pra comer?
-È comida caseira, sabe?
-Mas como é?
-È bife na chapa, arroz, salada e batatas fritas.
-E o bife? Que tamanho tem o bife?
-É assim.
E a velhinha levantou um bife que parecia um lençol. Ficamos encantados.

O Alambique começa servir os fregueses ás sete horas. Esperamos na praça até a hora exata e fomos correndo para comer montanhas de bifes. Não deixamos restos mortais dessa vaca.

Satisfeitos e andando bem de vagar, voltamos à praça. A cidade estava sem viva alma na rua.

-Que vamos fazer?
-Vamos dormir?
-Que tal se tomamos um sorvete?

Tomamos nossos sorvetes e voltamos à pensão. À meia noite começou o festival da padroeira de Carlos Barbosa, Nossa Senhora do Barulho Infernal. Eram bandas, foguetes, gritaria, carros acelerando, risadas e mais foguetes. Nossas camas tremiam. Acho que dormimos duas horas.

Depois do café da manhã, fomos visitar a loja da Tramontina.

-Ta fechada.
-Mas ontem o segurança falou que a loja abria às nove horas.
-O horário mudou. Agora a loja abre ao meio dia.

Não restava outra coisa a fazer que pagar pela noite não dormida, pegar nossas bicicletas e sair dali.

Que descida! Que paisagens! Que coisa linda! Casas centenárias pintadas em cores brilhantes. Pequenas hortas cultivadas com um esmero maravilhoso. Lagos. Arroios. Uma estrada que parecia ter sido feita para o nosso uso particular. Chegamos ao túnel. Que túnel? Não sei. O letreiro só dizia "o túnel" e tinha uma flecha indicando para uma estrada de chão.

Descemos pela estrada de chão e chegamos a outro letreiro "o bueiro". Sendo pessoas extremamente sensatas, gritamos,

-Vamos pelo bueiro!

Pegamos dois faróis e escorregamos a traves do bueiro. Acho que um psicanalista teria nos cobrado um bocado de dinheiro por dar-nos essa vivência porque foi uma autêntica experiência de renascimento psíquico. Saímos do bueiro e subimos feitos Tarzan por uma trilha íngreme até chegar, cobertos de lama, ao lugar onde tínhamos deixado as bicicletas.

-Vamos pro túnel!

Pedalamos pelas entranhas da terra. Que aventura pode ser melhor que isso? Saímos do túnel e demos a volta ao pequeno vale por uma estrada de chão até voltar ao asfalto.

-Daqui a diante é só descida.
Ra!
-Não vamos ter que subir mais.
Ra!
-Esta é a última subida.
Ra!

Almoçamos em Montenegro, um churrasquinho medíocre, mas um churrasco. Minha barriga ficou muito agradecida. Depois, tivemos o prazer de subir por 5 ou 6 kms baixo um sol brutal. Isso não é bom pra digestão.

Voltamos ao mundo moderno, ao barulho, ao transito, à sujeira, a Porto Alegre. Celebramos nosso retorno tomando um sorvete na Cidade Baixa.

Quero mais.